Ipswich Town, o estreante que se sagrou campeão
O brilharete do Leicester City na Premier League traz à memória a alucinante temporada de 1961-62 e aquele 28 de Abril em que a surpresa passou a certeza.
O futebol está repleto de histórias de superação e de livros de probabilidades reescritos à pressa. E, neste capítulo, o futebol inglês é um terreno especialmente fértil. A empolgante surpresa protagonizada nesta época pelo Leicester City, na Premier League, rivaliza com lendas de outros tempos em que o patinho feio se transformou em cisne. Uma delas, talvez a maior de todas, envolve o Ipswich Town, o improvável campeão de 1961-62.
A 82.ª temporada do calendário competitivo em Inglaterra arrastava consigo os habituais prognósticos pré-campeonato. O Tottenham e o Burnley, secundados pelo Sheffield Wednesday e, mais à distância, por Arsenal ou Manchester United, ocupavam a secção dos favoritos. No extremo oposto figuravam equipas como o Fulham e o Blackpool, às quais se juntavam, claro está, os dois recém-promovidos da Second Division, Sheffield United e Ipswich Town.
Até aqui, nada de novo. Mesmo que os “blues” — uma das alcunhas de um clube que mais recentemente passou a ser apelidado de “tractor boys”, numa alusão ao património agrícola da região — tenham renascido praticamente do nada a uma velocidade vertiginosa. Em 1954-55, o Ipswich Town debatia-se na zona sul do terceiro escalão, depois de anos de irregularidade e ambições comedidas. Até que Alf Ramsey, um antigo lateral direito que chegou a representar a selecção em 31 ocasiões, foi contratado para ocupar o cargo de treinador.
Foi um golpe de mestre. Ramsey trouxe consigo uma concepção diferente do jogo, que mais tarde incutiria também na selecção de Inglaterra que conquistaria o Mundial de 1966. Ao recuar os extremos para uma zona mais central do meio-campo, o técnico nascido em Dagenham, na região londrina, não só sobrepovoava uma área nevrálgica do terreno como convidava os laterais adversários a subirem um pouco mais, com o intuito de explorar a profundidade.
O conceito foi tão bem sucedido que alcançou a subida de escalão em 1956-57, conquistando o título da Third Division. Ao contrário de outras alturas, não só o Ipswich Town se afastou dos lugares de descida na Second Division, como foi cimentando a sua condição de candidato a uma vaga entre a elite do futebol inglês, um cenário que veio a concretizar-se em 1960-61. Em seis anos, o clube passava por cima do esquecimento em direcção à First Division, a Premier League de outrora.
O estatuto de completo outsider não amedrontou os “blues”, que abriram ligeiramente os cordões à bolsa no mercado de transferências para resgatarem o avançado Doug Moran aos escoceses do Falkirk. Pela ousadia, pagaram cerca de 12.000 libras, quase metade do custo total do plantel nessa temporada (30.000 libras), mas o reforço acabaria por não ser tão influente como os dois companheiros de sector.
Nas sessões de treino, Ramsey transformou os criativos Roy Stephenson e Jimmy Leadbetter em operários de peso, alargando o espectro do meio-campo no momento da organização defensiva e abrindo, desta forma, alas aos raides explosivos dos avançados Ray Crawford e Ted Philips. Nessa temporada dourada, esta dupla seria responsável por 61 dos 93 golos da equipa, que até teve uma entrada em falso na competição, com apenas um ponto nos três primeiros jogos.
O clique para a mudança dar-se-ia justamente num embate com um dos candidatos ao título, o Burnley, na quarta jornada. A goleada (6-2) imposta ao rival com o qual discutiria o troféu até à última jornada foi o princípio de uma caminhada triunfal, que culminou com uma vitória em casa, no Estádio Portman Road, sobre o Aston Villa, no último encontro na prova (2-0). O herói dessa tarde de 28 de Abril? Ray Crawford, avançado que bisou e foi distinguido com o título de melhor marcador do campeonato, lado a lado com Derek Kevan (West Bromwich Albion), ambos com 33 golos.
A maior proeza da história de um clube nascido em 1878 estava garantida. O primeiro e o único título do Ipswich Town estava assegurado, bem como o estatuto de única equipa a sagrar-se campeã na época de estreia na Division One. Mesmo que a confirmação do triunfo final só tivesse chegado minutos depois do derradeiro encontro, com os jogadores no balneário à espera do desfecho do Burnley-Chelsea. O empate alheio serviu as aspirações dos “blues” e o plantel regressou ao relvado para uma festa de arromba. Afinal de contas, não há campeões sem sofrimento.