O mínimo e o máximo em Prince

Numa era de fragmentação cultural, em que é cada vez mais difícil subsistirem superestrelas intergeracionais, ele era um dos últimos exemplos de universalidade.

Visionário, livre, excêntrico. Era assim Prince. A década de 1980 foi a sua fase mais cintilante, aquela que marcou os caminhos da música popular em álbuns como Controversy (1981), 1999 (1983), Purple Rain (1984), Parade (1986) ou Sign ‘O’ Times (1987).

A sua música era esquelética, de grande economia narrativa, capaz de congregar num só miligrama de som recursos de funk, soul, folk, pop ou rock, de forma lasciva e apaixonada. E depois havia aquele falsete ou os solos de guitarra sem sacarina. Curiosamente num tempo em que o artifício não era reinante, a sua postura, o seu visual e o imaginário que transmitia eram sumptuosos.

Era como se, na música, optasse pelo mínimo de movimentos para obter o pleno de eficácia. E na forma como se comunicava optasse pelo máximo, sendo excessivo. Nessa altura foi como se sintetizasse tudo o que vinha de trás (a soul de Marvin Gaye, o jazz de Miles Davis, o funk de Sly Stone, a fisicalidade de James Brown ou a pop dos Beatles) ao mesmo tempo que prenunciava quase tudo o que se seguiria na música popular, e não só, dos anos vindouros (Pharrell Williams, Kanye West, Justin Timberlake, Timbaland, Beck, Jamie Lidell, OutKast, D’ Angelo, Amy Winehouse, Benjamin Clementine, James Blake).

Durante anos, que coincidiram com o período de ouro da MTV, insistiu-se numa rivalidade com Michael Jackson. Mas eram mundos diferentes. Jackson era o homem que tentava sempre ajustar-se ao centro do mercado. Prince não queria saber. Era mente livre.

E também extravagante. Famosas ficaram as digressões faraónicas pela Europa. Era vulgar dar dois concertos na mesma noite (como aconteceu, em 1998, quando tocou no Pavilhão Atlântico e, horas mais tarde, no Lux) e depois viajar no seu jacto particular para o estúdio de Minneapolis onde tinha músicos à espera para registar uma ideia qualquer que havia tido nessa mesma noite. Depois, na manhã seguinte, regressava à Europa para mais um concerto.

Ao contrário da maior parte das celebridades pop, proibiu o YouTube e o iTunes de utilizarem a sua música e olhava para a Internet como um sério inimigo da música. Mas ao longo dos anos nunca deixou de fazer o que desejava, dando os concertos que queria e no modelo que lhe apetecia, sempre acompanhado de um naipe irrepreensível de grandes músicos e cantores de apoio.  

Parte dos anos 1990 e o início dos anos 2000 foram os seus tempos mais difíceis. Tudo terá começado em 1996 quando um filho faleceu e, poucos anos depois, os pais morreram também. Mas na última década recuperou todo o fulgor. Tornou-se um ícone. Alguém que toda a gente citava como influência. Nos seus últimos discos já não expandiu a paleta da sua música, mas redefiniu-a com sabedoria. É como se nos últimos tempos Prince fizesse álbuns à Prince, depois de assimilado o que aqueles que nele se inspiraram já haviam feito.

Numa era de fragmentação cultural, em que é cada vez mais difícil subsistirem superestrelas intergeracionais, ele era um dos últimos exemplos de universalidade. Pela personalidade. Pelo talento invulgar. Por Kiss. Por Controversy. Ou por Purple rain.  

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