Fuga de partidos aliados deixa Dilma cada vez mais isolada
A aritmética é cada vez mais desfavorável à Presidente brasileira, cujo processo de impeachment vai ser submetido a votação este domingo no Congresso. Há quem antecipe uma derrota.
As hipóteses da Presidente brasileira Dilma Rousseff travar o processo de impeachment que está em curso contra ela no Congresso caíram drasticamente na terça-feira, com a perda do apoio de mais dois partidos que faziam parte da sua base aliada.
Uma semana depois de prometer que estaria do lado da Presidente na votação do impeachment, o Partido Progressista (PP), o quarto maior partido no Congresso, com 47 deputados, voltou atrás e anunciou a sua ruptura com o Governo. O presidente do PP, Ciro Nogueira, explicou que defendia a permanência na base de apoio da Presidente, mas numa reunião com os parlamentares do seu partido, em que a maioria se manifestou a favor do impeachment, viu-se sem outra alternativa que não formalizar a saída.
Na terça-feira à noite, o Partido Republicano Brasileiro (PRB) anunciou que a sua bancada de 22 parlamentares vai votar unanimemente contra a Presidente no próximo domingo, dia em que a Câmara dos Deputados decidirá em plenário se deve ou não ser ser instaurado um processo de impeachment. Dilma precisa do apoio de um terço dos 513 deputados, ou 172 votos, para travar o processo e a aritmética é-lhe cada vez mais desfavorável.
A estimativa optimista do Palácio do Planalto é de que vão poder contar com o número de votos necessários, mas, anonimamente, ministros de Dilma já admitiram ao jornal Folha de S. Paulo que a batalha está “perdida”. Teme-se que a debandada do PP e do PRB, dois partidos da direita conservadora que faziam parte da coligação governamental, gere um efeito-cascata, que contamine outros partidos. Com 31 deputados, o Partido Social Democrático (PSD) tinha uma reunião na quarta-feira para discutir a sua posição. O Partido da República (PR) não deve impor nenhuma disciplina partidária aos seus 40 deputados, para poderem votar como entenderem, segundo o Globo.
Fuga de partidos
José Augusto Guilhon Albuquerque, professor de ciências políticas e de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP), antecipa uma derrota para Dilma no próximo domingo. “Essa debandada de partidos era uma coisa bastante esperada. A coligação que dá apoio à Presidente Dilma é uma coligação sem qualquer tipo de convergência programática, muito fragmentada, que faz um tipo de negociação ad hoc, caso a caso, com o Governo. Portanto, não é confiável para dar um apoio de longo-prazo ao Governo.”
A combinação desse modelo político, assente na troca de favores, com um cenário de crise económica e impopularidade do Governo, deixou Dilma muito isolada, diz. O Governo tem procurado negociar com os partidos da base aliada, prometendo cargos e outros benefícios políticos em troca do apoio na votação do impeachment, mas cometeu alguns erros, segundo o analista. Ela anunciou que só faria mudanças no seu Governo após a votação, o que foi entendido como uma medida para evitar traições de última hora. “Qual acha que é a reacção das pessoas com quem o Governo está a tentar negociar apoio? ‘Não confia em mim? Não vou confiar em você’”, nota José Augusto Albuquerque.
Segundo a Folha, a decisão do PP surpreendeu Dilma, que numa reunião com o ex-presidente Lula da Silva – que se tem mobilizado nos bastidores do Congresso para reunir apoio contra o impeachment – definiu uma nova táctica de pressão sobre os deputados: negociar directamente e individualmente com os parlamentares em vez dos líderes partidários ou de bancada, aumentar dissidências internas, reforçar a ofensiva junto dos indecisos.
Professor do Instituto de Ciência Política na Universidade de Brasília, João Paulo Machado Peixoto não arrisca nenhum prognóstico sobre o que vai acontecer no domingo. “Estamos numa fase em que vai haver muito lobby, muita pressão. Um processo de impeachment assemelha-se a uma investigação de uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]: todos sabemos como começa, não sabemos como termina. Tudo pode acontecer até domingo. Muitos votos são decididos nas últimas horas.” Em 1992, um dos votos mais surpreendentes no bloco que aprovou o impeachment de Fernando Collor de Mello foi o do deputado Onaireves Moura, que fazia parte da tropa de choque do Presidente e duas semanas antes tinha oferecido um jantar em sua defesa.