Mossack Fonseca foi contactada para vender serviços offshore a ex-ministros portugueses

Gestor português perguntou à firma com sede no Panamá por serviços destinados a pessoas com ligações políticas. A sua carteira de clientes incluía ex-ministros portugueses, mas nenhum abriu uma offshore em seu nome.

Foto
Gestor português admitiu ter recorrido aos serviços da firma de advogados, mas nega ter alguma vez operado com políticos Daniel Rocha

A firma de advogados Mossack Fonseca foi contactada em 2013 por um gestor de fortunas português interessado em comprar serviços offshore para alguns dos seus clientes, entre os quais, alertava então, se encontravam ex-ministros e políticos em Portugal, para além de o “Presidente de um país”, escreve o Expresso. O gestor — Jorge Cunha, 37 anos, nascido no Luxemburgo — admitiu ter recorrido aos serviços da firma de advogados especializada na gestão de offshore, mas nega alguma vez ter operado com políticos, como os documentos parecem sustentar.

Nenhum dos 12 clientes para os quais Jorge Cunha abriu offshores com a Mossack Fonseca tem ou teve actividades políticas, segundo revela este sábado a investigação conduzida pelo Expresso e a TVI aos Panama Papers. A investigação foi realizada em parceria com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI), que estuda desde o último Verão uma fuga de mais de 11,5 milhões de documentos sobre as operações da firma com sede no Panamá, a quarta maior do mundo no negócio das offshore.

Apesar disso, os documentos revelados nos Panama Papers revelam que Jorge Cunha pediu explicitamente informações sobre offshores para pessoas com ligações à política, durante uma reunião em 2013. Não se exclui por isso a possibilidade de existir um testa de ferro entre os doze nomes de clientes finais — seis portugueses, dois franceses, uma italiana, um brasileiro e dois venezuelanos, um deles também gestor de fortunas. Ao todo, há 240 portugueses envolvidos no caso Panama Papers

Jorge Cunha abriu o jogo em relação à sua carteira de clientes logo num primeiro encontro com o filho de um dos fundadores da Mossack Fonseca, a 20 de Junho de 2013. Este e dois outros encontros foram testemunhados pela gestora Kate Jordan, que resume o essencial em documentos internos revelados na investigação.

O gestor contactou a firma de advogados na qualidade de “banqueiro privado sénior” do Banque Internationale à Luxembourg (BIL), que, nesse ano de 2013, deixara de oferecer serviços offshore aos seus clientes — fazia-o antes pela própria Mossack Fonseca. Jorge Cunha queria por isso passar a ser o intermediário directo, mas alertava que alguns dos seus clientes poderiam aparecer como PEP: Pessoas Politicamente Expostas.

“Alguns dos clientes finais do contacto em Portugal são ex-ministros e/ou políticos”, lê-se no resumo da primeira reunião de Jorge Cunha, redigido por Kate Jordan. “Michael [Mossack, filho de um dos fundadores] explicou a Cunha que os nossos requisitos para aceitar PEP mudaram e que isto vai fazer soar os alarmes, mas Jorge disse que para ele não é um problema fornecer qualquer dever de diligência reforçado [verificação de perfil e da origem do dinheiro] que nós precisemos”, concluía a gestora Kate Jordan.

O gestor português encontrou-se mais duas vezes com a firma de advogados com sede no Panamá — no segundo encontro, explicou que o BIL estava a encerrar contas com clientes europeus que “não estão preparados para declarar os seus fundos nos países de origem”, queriam serviços offshore e “isso era um verdadeiro problema para eles”.

A 18 de Julho de 2014, no terceiro encontro, Jorge Cunha revela não apenas que tem um cliente que “é Presidente de um país”, mas também que está interessado em saber mais sobre os serviços offshore da Mossack Fonseca para figuras PEP (presumivelmente, políticos ou ex-políticos). Nas palavras de Kate Jordan: “As questões que ele colocou estavam relacionadas com PEP e se nós estávamos disponíveis para fornecer estas companhias [offshore]. Fiquei com todos os detalhes e irei examinar o assunto.”

Ligações a Angola?

Jorge Cunha — que trabalha hoje numa pequena subsidiária do BIL no Luxemburgo — começou por negar ao Expresso e TVI ter alguma vez criado companhias offshore no Panamá. Confrontado com detalhes sobre os seus encontros com a Mossack Fonseca, o gestor acabou por admiti-lo, mas insistiu em dizer que o BIL não aceita políticos ou seus familiares e minimizou as operações, dizendo, por exemplo, que duas offshores foram criadas apenas para que clientes pudessem vender um barco entre eles.

Como prova de que o BIL não aceita figuras PEP, Jorge Fonseca revelou à investigação do Expresso e TVI que em 2012 fora contactado para abrir uma conta no banco luxemburguês em nome de Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Jorge Cunha diz que foi até contactado por uma figura próxima de Isabel dos Santos — Mário Leite da Silva, da firma Sartorial Asset Management, empresa de gestão de fortunas —, mas que se vira forçado a recusar uma conta à filha do Presidente angolano.

“A verdade é que o departamento de compliance [que assegura o cumprimento de normas legais] chumbou a hipótese de podermos abrir uma conta dela”, disse, numa de duas entrevistas no Luxemburgo. Segundo ele, o BIL já encerrara uma conta em nome do próprio José Eduardo dos Santos por “pressão relacionada com o branqueamento de capitais”, segundo se lê no Expresso deste sábado.

Um porta-voz de Isabel dos Santos desmentiu à investigação Expresso/TVI o envolvimento da empresária angolana com o banco BIL ou a empresa Sartorial Asset Management, cuja existência Isabel dos Santos desconhecia até ser contactada pelos jornalistas.  

Sugerir correcção
Comentar