A demência está generalizada nos lares de idosos
Estudo mostra que maioria dos utentes têm sinais de demência e entre 50 e 60% terá mesmo a doença. “O perfil de utilizadores é completamente diferente do perfil para o qual os lares foram feitos.”
O grupo era constituído por 1500 idosos, de 23 lares de todo o país — geridos, sobretudo, por misericórdias. A informação que existia, como ponto de partida, era esta: menos de um terço das pessoas deste grupo sofreriam de demência. Depois, seis psicólogos e dois neurologistas foram para o terreno avaliar cada utente. Muitos testes e milhares de quilómetros percorridos depois, os resultados finais foram notícia esta semana. E surpreenderam toda a gente, até o coordenador do trabalho, Manuel Caldas de Almeida, médico geriatra, director clínico da Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI, em Fátima. A demência está bem mais generalizada. Pode, afinal, afectar duas vezes mais utentes do que se pensava.
“O nosso estudo mostra que perto de 80% dos idosos destes lares apresentam alterações cognitivas sugestivas de demência”, explica o médico ao PÚBLICO. “Isto significa que os testes que lhes foram feitos nesta fase revelaram uma alta probabilidade de demência, pelo que, desses com alterações cognitivas, entre 50 e 60% terá mesmo demência.” Um diagnóstico definitivo, diz, implicará fazer ressonâncias magnéticas a cada utente.
A demência é uma doença cerebral adquirida, sem cura. E progressiva. “Os dois tipos principais são a Doença de Alzheimer e a Demência Vascular (que pode resultar de um grande acidente vascular cerebral ou de vários pequenos acidentes vasculares cerebrais, por vezes imperceptíveis pelas famílias), que representam, ambas, 90% dos casos. Depois temos o Parkinson, a demência de corpos de Lewy...”
Para uma boa parte das pessoas do estudo, os primeiros sinais foram perdas de memória, dificuldades de orientação, incapacidade de perceber o perigo. E foi progredindo.
As implicações destes resultados impressionam: “Nos lares de idosos que investigámos encontrámos um perfil de utilizadores que é completamente diferente do perfil para o qual os lares foram feitos."
A legislação diz que os lares são feitos para pessoas que têm necessidades sociais, para dar alimentação, animação, etc. "O que estes dados mostram é que as pessoas que vivem nos lares são pessoas muito frágeis, com aquilo a que chamamos fragilidade geriátrica, que é quando uma pessoa devido a ter muitos anos começa a ter falhas generalizadas, da função renal, cardíaca, infecções repetidas, imunodeficiência.”
Para além disso, sofrem de demência. Muitas vezes não diagnosticada, sublinha o médico. O que é grave, desde logo porque se sabe que uma pessoa com demência tem de ser estimulada de forma específica. “Em suma, os lares não são para pessoas saudáveis e não podemos dizer que eles não têm nada a ver com a saúde das pessoas. Ou deixamos ficar como está e as pessoas são maltratadas, infelizes e não têm qualidade de vida, ou vamos perceber que temos de mudar isto tudo.”
E mudar tudo é começar por “mudar a arquitectura dos espaços, a decoração, o ambiente que lá se vive, é dar competências específicas a quem lá trabalha, é dar formação”, aos dirigentes, às auxiliares, aos fisioterapeutas.
A percepção (confirmada pelo estudo) de que os lares tinham um número muito grande de pessoas com demência levou a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) a criar o projecto VIDAS - Valorização e Inovação em Demências, em parceria com a Direcção-Geral da Saúde, a Alzheimer Portugal, o Hospital do Mar, o Hospital de Magalhães Lemos e a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade. Para além do estudo noticiado esta semana, a UMP desenvolveu um programa de formação (que já atingiu mais de 450 dirigentes e funcionários) e um de adaptação ambiental, explica Caldas de Almeida. “Achámos que era importante ter consultores, arquitectos e engenheiros, com formação em demência, na UMP, que possam fazer aconselhamento quando uma misericórdia quer fazer uma adaptação do seu lar, ou fazer um lar novo." E têm recorrido à UMP.
O VIDAS II deverá acontecer quando houver verbas do novo quadro europeu. Mas, “porque não querem esperar, tem havido misericórdias a dizer que querem formação e que pagam do seu próprio bolso”.
Contudo, face ao cenário que se vive, é preciso verdadeiramente uma nova estratégia para o envelhecimento, diz. Mudar legislação. Mas, mais importante ainda, mudar o paradigma.