As manobras de Angola
Não é por acaso que muitos acreditam que as condenações do grupo de 17 não são mais do que uma forma de desviar as atenções dos muitos problemas de Angola
A carta do tenente das Forças Armadas Angolanas Osvaldo Caholo — o único militar do grupo dos 17 presos políticos condenados no dia 28 por pertencerem a uma “associação de malfeitores” — não surpreende quem acompanha as violações dos direitos humanos em Angola.
Merece, mesmo assim, ser relembrada: “Falta de água, necessidades fisiológicas colocadas em sacos de plástico, alimentação deficiente, falta de banhos de sol, colchões que nem para animais devem servir, autorizações de visitas a bel-prazer das autoridades, pequeno-almoço servido às 11h/12h.”
Um pormenor impressiona particularmente: há tão pouca água que os reclusos chegam a beber água das sanitas. A carta foi divulgada este fim-de-semana e reforça o que activistas angolanos e internacionais denunciam há anos.
Reflexo do quanto Angola é um país fechado, onde jornalistas, observadores independentes e activistas de direitos humanos têm acesso sempre muitíssimo dificultado — quando não mesmo bloqueado —, os relatórios internacionais, seja da Aministia Internacional, Human Rights Watch ou mesmo do Departamento de Estado norte-americano têm escassa informação sobre as prisões angolanas. O Governo americano, por exemplo, abordou a situação em 2014 para citar fontes que diziam que as condições estariam a melhorar, mas frisando logo a seguir que, “ao contrário de anos anteriores, este ano não há relatórios credíveis de motins nas prisões”, referindo-se genericamente à sobrelotação das prisões e sublinhando que criminosos violentos são postos nas mesmas celas onde estão condenados por penas leves, e que crianças, mulheres e homens adultos são presos todos juntos.
A mulher de Luaty Beirão, que — por ser um rapper popular e filho de um dos homens do Presidente José Eduardo dos Santos — se tornou um símbolo da luta pela liberdade de expressão no país, contou ao PÚBLICO algumas das vicissitudes da visita que fez este sábado à prisão onde está o marido e Osvaldo Caholo. Mónica Almeida repete as mesmas denúncias que o jovem tenente pôs por escrito e descreve a forma como muitos conseguem beber água: cortam garrafas de plástico, usando-as como funis para recolher água da chuva.
A qualidade de uma democracia mede-se por vários indicadores. A forma como são tratados os presos é um deles. A forma como são tratados os mortos é outro. Esta semana, Rafael Marques publicou imagens chocantes das traseiras de um hospital de Luanda na qual se vêem familiares a lavar os seus mortos no chão, junto ao parque de estacionamento. Sem protecção, sem cuidados de higiene, sem dignidade. Não é por acaso que muitos acreditam que a forma despudorada com que o regime angolano tratou este grupo de jovens críticos não é mais do que um modo de concentrar as atenções nos 17 e assim reduzir a fiscalização sobre tudo o que não funciona no país. E é muito e em dimensões terríveis.