Quatro casos dos 11,5 milhões dos Panama Papers
São muitas as implicações dos documentos revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação na política mundial e financiamento de países na "lista negra dos EUA" e no futebol.
Islândia: o terramoto, depois da kreppa
Sigmundur Davíð Gunnlaugsson, o primeiro-ministro islandês, foi dono de uma empresa com sede num paraíso fiscal. E nunca o admitiu
A divulgação dos Panama Papers, um conjunto de documentos da firma de advogados Mossack Fonseca, com sede no Panamá, que fornecia aconselhamento para a utilização de refúgios fiscais, chegou directamente ao topo do Governo islandês.
Oito anos depois da crise, que varreu o sistema financeiro e abalou a confiança dos pouco mais de 300 mil islandeses nas instituições políticas, este é um escândalo que pode fazer o pequeno país nórdico – que outrora liderava o Índice de Desenvolvimento Humano mundial – regressar ao pesadelo da kreppa, a crise de proporções bíblicas que destruiu a economia do país em 2008.
As semelhanças estão à vista. Dinheiro, evasão fiscal e um primeiro-ministro no meio da polémica. Em 2008 foi Geir Haarde, do Partido da Independência, que acabou condenado por uma acusação menor, no inédito processo judicial que o levou a responder pela sua acção na crise. Hoje é o líder do Partido da Progresso, Sigmundur Davíð Gunnlaugsson, que está coligado no Governo com o partido de Haard, que, para já, terá de responder no Parlamento (Althingi) pelo seu envolvimento no caso dos Panama Papers.
Gunnlaugsson era, segundo a investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI), dono de metade de uma empresa, chamada Wintris Inc., com sede em Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas. Criada em 2007, a empresa era detida em partes iguais pelo actual primeiro-ministro e pela sua mulher, Anna Sigurlaug Pálsdóttir. Ao fim de dois anos, quando já era líder do partido e deputado, Gunnlaugsson vendeu a sua quota à mulher, por um euro.
Em 2013, Gunnlaugsson acabaria por chegar à liderança do Governo, depois de uma eleição em que ficou empatado em número de deputados com o Partido da Independência, que ganhou no voto popular. Os dois partidos fizeram uma coligação. E o líder rival, Bjarni Benediktsson, passou a ocupar a pasta das Finanças. Também ele aparece referido nos Panama Papers, como dono de um terço de uma empresa com sede nas Seychelles.
Nenhum destes políticos assumiu, nos seus registos de interesses, que detinha empresas em refúgios fiscais. Pelo contrário. Ambos negaram, da primeira vez que foram confrontados com o assunto, qualquer ligação a off-shores. O primeiro-ministro chegou a interromper a meio uma entrevista ao Guardian quando a questão se colocou.
A oposição, do Partido Social Democrata, já afirmou que o primeiro-ministro não tem condições para continuar. Mas a sólida maioria que os partidos do Governo têm no Parlamento pode chegar para impedir uma moção de censura. Os partidos do Governo têm 38 deputados, enquanto a oposição tem apenas 25.
Depois do colapso dos três principais bancos islandeses, envolvidos nos esquemas ruinosos de imobiliário e securitização de hipotecas que levou à queda de Wall Street em 2008, a Islândia procurou reinventar-se, acusando políticos e banqueiros nos tribunais, e lançando um inovador processo constituinte em que cidadãos sem filiação partidária foram eleitos para escrever a nova Constituição do país. O Partido do Progresso foi o mais penalizado nas eleições de 2009, após a crise. Mas a liderança de Gunnlaugsson ajudou a recuperar um lugar cimeiro em 2013 – com uma retórica anti-banqueiros e fortemente nacionalista. Hoje, com a divulgação dos Panama Papers foi dado um novo golpe na já abalada confiança islandesa na separação entre política e finanças.
Reis, Presidentes e primeiros-ministros
Os Panama Papers envolvem vários altos dirigentes políticos: além do primeiro-ministro da Islândia Davíð Gunnlaugsson, são também citados o rei da Arábia Saudita e os filhos do Presidente do Azerbaijão.
“Ao todo, uma análise aos ficheiros da Mossack Fonseca identificou 58 membros de famílias e pessoas relacionadas com primeiros-ministros, Presidentes e reis”, lê-se no texto divulgado este domingo pelo CIJI.
Diz o consórcio que “os registos mostram por exemplo que a família do Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, usou fundações e empresas no Panamá para deter acções secretas em minas de ouro e imóveis em Londres. Os filhos do primeiro-ministro paquistanês Nawaz Sharif também tinham terrenos no Reino Unido através de companhias criadas pela Mossack Fonseca”.
Além disso, “familiares de pelo menos oito actuais ou antigos membros do Comité Permanente do Politburo da China, o principal corpo dirigente do país, têm empresas offshore arranjadas através da Mossack Fonseca”. Entre eles está o cunhado do Presidente Xi, que criou duas empresas nas Ilhas Virgens Britânicas em 2009.
Há dezenas de pessoas e entidades que estão na “lista negra” dos EUA por negociarem com organizações terroristas, de tráfico de droga ou de Estados como o Irão e a Coreia do Norte.
O expediente dos alvos de sanções
Os documentos dizem respeito a 23 pessoas que, por estarem sujeitas a sanções internacionais, recorreram à Mossack Fonseca para poderem gerir o seu dinheiro através de empresas sediadas em paraísos fiscais como as Seychelles, Ilhas Virgens, Panamá e outros. As pessoas em causa foram alvo de sanções internacionais pelo apoio dado aos regimes da Coreia do Norte, Zimbabué, Rússia, Irão e Síria. No caso deste último país, os jornalistas do consórcio CIJI concluíram que o combustível que abasteceu um avião utilizado pelo regime de Assad numa acção de bombardeamento de população civil, cidadãos sírios, acções que as autoridades norte-americanas e parte da comunidade internacional alegam acontecerem desde 2011, foi comprado por uma daquelas empresas que a Mossack Fonseca ajudou a criar em paraísos fiscais.
Novo escândalo na FIFA
É mais um rombo na credibilidade já muito frágil da FIFA. Na sequência das revelações feitas no âmbito dos Panama Papers, ficou ainda a saber-se que no interior da Comissão de Ética, organismo criado para extirpar da FIFA a corrupção que tem minado aquela instituição, um dos seus elementos tem ligações íntimas com um dos antigos dirigentes, entretanto detido.
Os documentos agora revelados – do escritório de advogados Mossack Fonseca, que ajudava os seus clientes a criar empresas em offshores – revelam que as ligações entre Juan Pedro Damiani, um advogado uruguaio que trabalha há bastante tempo na Comissão de Ética, e Eugenio Figueredo, um antigo vice-presidente da FIFA, recentemente acusado de corrupção, são muito mais intensas do que inicialmente se pensava.
A Comissão de Ética da FIFA anunciou, entretanto, ter aberto uma investigação, sublinhando que desconhecia as relações de negócios existentes entre Damiani e Figueredo até ao momento em que aquele enviou um e-mail informando o presidente Hans-Joachim Eckert, no dia 18 de Março, e já depois de ter sido confrontado com os documentos que constam nos Panama Papers.
No e-mail que enviou a Eckert, Damiani diz que mantém uma relação profissional com Figueredo desde 2007 – embora documentos analisados pelo Guardian sugiram que ela é anterior a esta data.
Figueredo foi um dos homens detidos em Zurique no ano passado e está acusado de estar envolvido num escândalo de corrupção enquanto dirigente da FIFA que pode atingir os 96 milhões de euros.