Como o programa de Costa se propõe afectar a vida dos portugueses
Estas são algumas das medidas inscritas no Programa Nacional de Reformas.
O programa apresentado nesta terça-feira pelo primeiro-ministro está organizado em torno destes seis pilares: qualificação dos portugueses; inovação na economia; valorização dos recursos; capitalização das empresas; modernização do Estado; e coesão social.
Qualificação dos portugueses
Melhorar as qualificações a partir dos 3 anos
É uma das medidas mais concretas entre as que António Costa apresentou esta terça-feira. “Generalizar a todas as crianças de 3 anos o acesso ao pré-escolar”, anunciou, lembrando que as taxas de reprovações são mais altas entre os alunos que não tiveram educação pré-escolar. O objectivo já constava do programa eleitoral do PS e do programa do Governo.
Dessa forma, o executivo espera cumprir o objectivo de redução do insucesso e abandono escolar. Este é um dos eixos em que se desdobra o primeiro pilar do PNR, dedicado à qualificação. Neste âmbito, destaca-se também a necessidade sublinhada pelo executivo de melhoria da qualificação da população que já está no mercado de trabalho, que será concretizada através do Programa Integrado de Educação e Formação de Adultos (herdeiro do programa Novas Oportunidades), cuja criação foi aprovada no último Conselho de Ministros. O PNR aponta ainda para a necessidade de introduzir inovação no sistema educativo, ainda que sem explicitar de que modo, e para a formação de jovens que não estão nem a trabalhar nem a estudar. Samuel Silva
Inovação na economia
Puxar pelo empreendedorismo
Se novidades há neste PNR face ao programa do Governo, elas passam pela definição das metas que vão ajudar a aferir o grau de sucesso das políticas através das quais o executivo quer diversificar as exportações, promover o empreendedorismo e inverter a queda do investimento empresarial em Investigação e Desenvolvimento: 5100 empresas apoiadas pelas medidas de internacionalização, 1500 a beneficiar com medidas de apoio ao empreendedorismo, conseguir que até 2023 existam entre 62 a 67% das empresas com mais de 10 trabalhadores a reportar actividades de inovação e que nesse mesmo ano o peso das exportações nas vendas das empresas atinja os 22% e que o respectivo peso no PIB nacional passe dos actuais 40% para os 47%. Um dos indicadores que o Governo pretende intensificar é o do volume de exportações de produtos de alta tecnologia – apenas 3,6%, enquanto a média dos 28 países da UE chega aos 15,6%. Nas previsões do conselho de finanças públicas até 2019, o aumento da procura externa era expectável apenas a médio prazo: um abrandamento em 2016 (de 5,1% para 4,9%) para crescer nos anos seguintes, com destaque para o contributo do turismo. Luísa Pinto
Valorização de recursos
Aposta na reabilitação urbana
Quatro mil edifícios públicos e privados e três milhões de metros quadrados de espaços públicos serão alvo de reabilitação ou de intervenção apoiada, de acordo com a meta anunciada pelo primeiro-ministro. A aposta na reabilitação urbana estava já clara no programa do Governo. Aliás, o tema, consensual, anda há muito no discurso de vários governos, mas ainda não ganhou no terreno a expressão que os agentes económicos reivindicavam – sobretudo o sector da construção civil que hoje depende muito deste segmento. Ainda não foi diferente com Costa: os instrumentos já foram anunciados, falta a sua operacionalização. O Ministério do Ambiente, que tutela esta área, está a criar o Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas (IFRRU 2020), tendo como ponto de partida 250 milhões de fundos comunitários a que se somam 140 milhões do empréstimo contraído junto do BEI. Com estes 390 milhões como base, o Governo pretende lançar um concurso para a participação da banca comercial e com ele assegurar, até ao fim do ano, cerca de 780 milhões para financiar operações de reabilitação urbana. Mas a valorização do território também passa pela mobilidade. Pretende-se construir 214 quilómetros de ferrovia, e requalificar mais de 40% da rede. Quanto à eficiência energética, o compromisso é reduzir em 25% o consumo de energia primária em todos os sectores económicos. Luísa Pinto
Capitalização das empresas
Transferir 2,8 mil milhões
Primeiro, um elevado ritmo de endividamento. Depois, um congelamento de novos empréstimos, que ditou um bloqueio à actividade. Este é o retrato do sector empresarial nacional nas últimas duas décadas. Só entre 2000 e 2012 o endividamento subiu de 98% para mais de 150% do PIB, muito suportado pelo sector bancário. Com a crise financeira, e especialmente a partir de 2011, o crédito tornou-se algo raro, e muito mais caro. Empresas, mais ou menos viáveis, fecharam portas, enquanto outras sobreviveram mas a custo.
Aliás, parte da descida geral do endividamento (o rácio está agora em 144% do PIB) advém do facto de muitas empresas terem encerrado (obrigando os bancos a assumir o impacto negativo), e da redução forçada de diminuição da dívida, por falta de novos empréstimos. Este último factor levou a menor competitividade (ao nível dos preços), despedimentos ou bloqueio de novas contratações e adiamento de investimentos. As empresas precisam de se capitalizar, e de preferência diminuir a dependência da banca (algo que o anterior executivo já identificara).
O que o Governo vem agora sugerir é a aplicação de medidas no terreno que ajudem a esse processo. Os fundos “Capitalizar” serão orientados para a “generalidade das empresas”, e para os vários ciclos: desde a sua criação ao desenvolvimento/criação, passando pela reestruturação. Aqui, a Instituição Financeira para o Desenvolvimento (vulgo “banco de fomento”) teria um papel operacional, através de dois fundos (um ligado a capital e outro a dívidas e garantias).
Esta terça-feira, António Costa afirmou que a ideia é apoiar, através dos fundos “Capitalizar”, 9300 empresas, prevendo-se a transferência de 2,78 mil milhões de euros para esse objectivo, no quadro do Portugal 2020. De acordo com fonte oficial do Governo, o número de empresas que se prevê apoiar “decorre, no essencial, do compromisso já assumido no âmbito do quadro Portugal 2020 para a utilização de instrumentos financeiros de capitalização”. O reforço de capitais próprios, diz a mesma fonte, “teve em consideração a avaliação prévia das necessidades de financiamento demonstradas pelas empresas que compõem o tecido empresarial português (gap de financiamento referente a necessidades de capitalização), designadamente tendo em conta os níveis de autonomia financeira desejáveis para estas empresas, bem como as falhas de mercado actualmente existentes ao nível do investimento (gap de investimento) ”.
Na sua intervenção, António Costa referiu que a capitalização das empresas é necessária para resolver “um dos maiores bloqueios à actividade e ao crescimento da economia”. E para atingir esse objectivo contará também com o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (conhecido como o Plano Juncker).
Ao PÚBLICO, fonte do Governo clarificou que este inclui uma linha específica para apoio a empresas, “incluindo a capitalização”, de 75 mil milhões de euros. Nesse sentido, o Plano Juncker foi considerado pelo Governo “como uma fonte complementar à estratégia de capitalização das empresas com vista ao fortalecimento das suas capacidades de investimento, à promoção do crescimento económico e do emprego”.
Nas próximas semanas, a estrutura de missão para a capitalização das empresas, criada pelo Governo e presidida por José António Barros (gestor e ex-responsável máximo da AEP) deverá apresentar as primeiras conclusões do seu trabalho. A ideia é avançar com algumas medidas que sejam aplicáveis no imediato, havendo depois uma segunda fase com instrumentos financeiros mais complexos, a olhar para o médio e longo prazo. Luís Villalobos
Modernização do Estado
Reduzir pendências em 20% até 2020
António Costa deixou claro que a simplificação administrativa é, a par da capitalização das empresas, um ponto essencial para dotar o tecido empresarial de condições para melhorar a sua produtividade e criar emprego.
Os problemas estão há muito identificados e o primeiro-ministro espera que estejam criadas condições para simplificar os processos de licenciamento e pôr a justiça ao serviço da competitividade. Num contexto em que os recursos são escassos, o primeiro-ministro falou na importância de um Estado “que se concentra em acrescentar valor à vida dos cidadãos, das empresas e da sociedade”.
No sector da justiça, o Governo quer reduzir em 20% o número de pendências na acção executiva cível ao longo dos próximos cinco anos. Na calha está também a entrada em funcionamento de um interface que ligeue o Sistema de Suporte à Actividade dos Agentes de Execução à plataforma informática Citius e a disponibilização de um site para consulta de informação processual.
Na área empresarial o Governo compromete-se a concentrar todos os processos de licenciamento no Balcão do Empreendedor e a pôr, finalmente, no terreno o licenciamento único ambiental (integrando 11 regimes jurídicos). O objectivo é reduzir em 30% os prazos médios deste licenciamento e em 25% os seus custos. Raquel Martins
Coesão e Igualdade Social
Mais 23 mil idosos com apoio extra
Mais 23 mil idosos abrangidos pelo Complemento Solidário para Idosos — chegando-se aos 200 mil beneficiários deste apoio para quem tem pensões muito baixas. Mais crianças com abono de família. Mais pobres com Rendimento Social de Inserção. A síntese do Programa Nacional de Reformas estabelece, no capítulo da “Coesão e Igualdade Social”, três objectivos — que, de resto, já estavam bem expressos no programa do Governo: por um lado, “elevar gradualmente os rendimentos dos portugueses, em particular das populações mais atingidas pela pobreza e exclusão social”, por outro, “restabelecer os mínimos sociais”, revendo condições de acesso a prestações. E por fim, “promover a saúde”. Sobre este último define-se que haverá uma “redução global do valor das taxas moderadoras”, de “22% a 24%, em 2016”, e também “100% das consultas realizadas em tempo adequado” e “100% das cirurgias realizadas dentro do tempo máximo previsto”. Ao plano junta-se o objectivo já anunciado de oito mil camas à rede de cuidados continuados. Garantir que a tarifa social de energia chega a todos os potenciais beneficiários é outra meta inserida no PNR, que acrescenta que “medidas fiscais para promover maior justiça social” serão igualmente adoptadas para atingir o objectivo da coesão social. Andreia Sanches