Morreu o cientista Miguel Mota, pioneiro da divisão celular

As descobertas do investigador datam dos anos 50, mas só foram validadas 30 anos mais tarde

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Miguel Mota, em 2009 NFACTOS/FERNANDO VELUDO

O investigador e cientista Miguel Mota, conhecido pela sua teoria sobre divisão celular, descoberta que fez na década de 50 mas só validada 30 anos depois, morreu na quinta-feira, aos 90 anos de idade.

A informação foi divulgada este sábado pelo filho, Manuel Mota: "No passado dia 24 de Março faleceu o professor Miguel Mota, agrónomo e cientista ilustre, doutor honoris causa pela Universidade de Évora e pioneiro da Genética e da Biologia Celular em Portugal".

Miguel Mota, o homem que sabia de mais em 1957

Miguel Eugénio Galvão de Melo e Mota nasceu em Lisboa, a 15 de Outubro de 1922 e licenciou-se no Instituto Superior de Agronomia, tendo assumido em 1948 a direcção do Laboratório de Citogenética da Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, logo a seguir. Foi pioneiro na utilização de microscopia electrónica em Portugal e contribuiu para o avanço do conhecimento da genética e da biologia celular em plantas, tendo deixado "um enorme" legado na produção de cereais melhorados, refere a Ordem dos Biólogos.

Em matéria de biologia celular em plantas, publicou em 1957 um artigo sobre o papel determinante dos cinetócoros na anáfase (uma das fases de divisão celular), teoria só reconhecida pela comunidade científica internacional na década de 80. Os cinetócoros são uma estrutura dos cromossomas e, segundo o investigador português, uma espécie de motor na anáfase, ao moverem os cromossomas para os pólos, permitindo a divisão celular. Ou seja, provocam o movimento dos cromossomas para o polo da célula, no momento em que esta se divide em duas.

Esse trabalho visionário desenvolvido justificou a homenagem que lhe foi feita, em 2009, pelo Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto, cerimónia que juntou alguns dos maiores investigadores mundiais na área, entre os quais Ted Salmon, da Universidade da Carolina do Norte, e Rebecca Heald, investigadora na Universidade de Berkeley e editora da revista Journal of Cell Biology. Esteve também presente Gary Gorbsky, da Oklahoma Medical Research Foundation, que comprovou experimentalmente, em 1987, a teoria apresentada em 1957 pelo investigador português.

A homenagem foi justificada, na altura, com o facto de, até àquela data, a "hipótese revolucionária" não ter sido reconhecida. Miguel Mota manteve-se, ao longo do seu percurso académico, sempre ligado à investigação na área da genética, até se aposentar em 1992. O cientista trabalhou nas mais prestigiadas instituições de investigação em países como a Suécia, a Grã-Bretanha e os EUA, tendo escrito mais de um milhar de artigos científicos, que foram publicados em dezenas de jornais e revistas.

No decorrer do elogio fúnebre, que teve lugar na sexta-feira, Hélder Maiato, do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto, frisou que Miguel Mota "estava à frente do seu tempo" e que as descobertas do cientista foram feitas "antes de alguém sonhar que existiam motores moleculares".

"Mais do que uma obra completa e do que uma longa lista de publicações, penso que este é o verdadeiro legado que nos deixa Miguel Mota - a sua inabalável determinação em pensar diferente e remar contra a corrente. E remou, até ao seu último folego, levando consigo um pouquinho de todos aqueles que tiveram o privilégio de conhecer o homem, mas deixando a todos à sua volta uma vida muita mais rica", disse Hélder Maiato.