O regresso ao tempo de João Soares

Caso da "ordem verbal" alegadamente dada ao promotor da Torre de Picoas faz lembrar práticas comuns no tempo de João Soares e de Krus Abecasis.

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Miguel Manso

Já lá vão 18 anos, a Câmara de Lisboa conheceu um episódio que ao tempo em que a autarquia era drigida por João Soares e por Krus Abecasis, este na década de 1980, estava longe de ser raro. Mais do que a lei vigoravam então, muitas vezes, as autorizações e os acordos verbais, a informalidade, quase sempre à margem dos executivos municipais e dos serviços camarários.

Em Janeiro de 1998, o caso, que tem algumas semelhanças com o que agora se passa na Torre de Picoas, envolveu João Soares e uma empresa do antigo embaixador dos Estados Unidos da América, e ex-director da CIA, Frank Carlucci. A empresa tinha obras ilegais a decorrer em Carnide há vários meses e os serviços da autarquias propuseram mais do que uma vez o seu embargo ao presidente da câmara.

João Soares, que tinha autorizado o início dos trabalhos sem estarem reunidos todos os pressupostos legais, não aceitou embargá-los numa primeira fase porque, como então disse ao PÚBLICO, "não quis ceder à chantagem de Francisco Louçã e de Ferreira do Amaral", que em plena campanha para as eleições autárquicas do mês anterior o tinham criticado, sobretudo o primeiro, por ceder a Frank Carlucci.

Em resposta, o autarca afirmou que nem sequer o conhecia pessoalmente. "A única vez que o vi foi quando ele veio aqui à câmara, durante uns três minutos (...). Mas considero que ele desempenhou um papel importante em 1974 para que Portugal fosse uma democracia europeia de tipo ocidental", afirmou então.

Já depois das eleições, os serviços camarários voltaram a propor o embargo, visto que as obras ilegais prosseguiam apesar da polémica, mas Soares voltou a rejeitar a proposta. Desta vez, explicou então uma directora de serviços da autarquia, a decisão foi tomada porque "o senhor presidente teve a palavra dos promotores de que eles parariam as obras”.

Na verdade, a empresa de Carlucci e de Artur Albarran, um ex-jornalista que era sócio do ex-embaixador, nunca parou a obra. João Soares acabou por legalizá-la, pagando a empresa taxas agravadas por ter estado a construir ilegalmente durante sete meses. Nessa altura, o então autarca também justificou a sua posição neste caso afirmando que havia "centenas de obras ilegais na cidade" e que aquela era  "uma boa solução para os problemas de habitação".

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