Salgado diz que ordem para pararem obras ilegais em Picoas foi “verbal”
O vereador da Câmara de Lisboa acha o procedimento “aceitável”, mas na oposição há vozes criticas. O PCP propôs a realização de um inquérito à actuação dos serviços municipais.
Por que é que do processo da torre de Picoas não consta qualquer informação sobre a ordem de paragem das obras alegadamente dada pela Câmara de Lisboa? A pergunta, que andava na cabeça de vários deputados municipais, teve finalmente uma resposta: segundo o vereador do Urbanismo, que considera o procedimento “aceitável”, essa ordem foi apenas “verbal”.
Manuel Salgado falava na Assembleia Municipal de Lisboa, numa reunião conjunta das comissões de Finanças, Património e Recursos Humanos e de Ordenamento do Território, Urbanismo e Reabilitação Urbana, que se realizou ao fim do dia de quarta-feira.
Aos deputados, o vereador garantiu que depois de se ter detectado que o promotor estava a executar obras fora do seu terreno "foi dada uma ordem expressa ao dono de obra para parar os trabalhos". Segundo Manuel Salgado, tratou-se de “uma ordem verbal dada pelo director municipal [de Urbanismo], através dos técnicos que fazem fiscalização”, ordem que o autarca reconhece que “não ficou registada no livro de obra”.
“Não existe uma ordem por escrito mas existe efectivamente uma paragem da obra”, acrescentou o vereador, situando a referida ordem no dia 9 de Dezembro de 2015. Essa versão foi corroborada pelo director municipal de Urbanismo, segundo quem “a ordem foi dada e acatada”. “Dei também indicações aos serviços para que ficasse registada mas não ficou”, acrescentou Jorge Catarino Tavares.
“No livro de obra, de acordo com a lei, deve registar-se tudo o que acontece na obra. Mandaram parar a obra e não se coloca? É no mínimo estranho”, reagiu o deputado Ricardo Robles, considerando que tal se reveste de “uma gravidade bastante relevante”.
O eleito do Bloco de Esquerda teceu também críticas ao facto de a ordem de paragem dos trabalhos não ter sido dada por escrito. “No mínimo fica pouco salvaguardado do ponto de vista dos interesses da vereação”, disse, acrescentando que ao contrário do que sustenta Manuel Salgado os trabalhos na frente de obra da Avenida Fontes Pereira de Melo não foram interrompidos depois do dia 9 de Dezembro.
“Contrariamente ao que possa ter sido transmitido aos serviços, a obra não parou”, sublinhou Ricardo Robles, segundo quem isso até “está registado no livro de obra”.
Também Margarida Saavedra se mostrou muito critica da actuação da câmara. “Como diz o povo, palavras leva-as o vento”, afirmou a deputada do PSD, lembrando que nos termos do Código do Procedimento Administrativo “das diligências realizadas oralmente são lavrados autos e termos”.
“Onde é que estão os autos? Onde é que estão os termos?”, perguntou, acrescentando que “a ordem tinha que estar expressa nalgum sítio”. Para Margarida Saavedra, não tendo isso acontecido fica por “saber se a câmara tomou ou não diligências” antes de Ricardo Robles ter denunciado publicamente, a 16 de Fevereiro de 2016, que havia trabalhos ilegais em curso na obra da torre de Picoas.
A autarca social-democrata considerou ainda haver “dúvidas” sobre “a cumplicidade entre a câmara e o promotor” e defendeu que a forma como decorreu todo este processo colocou “em causa a relação” entre os diferentes órgãos autárquicos, criando na assembleia municipal um sentimento de “desconfiança”.
“Não há problema institucional nenhum entre e câmara e a assembleia”, refutou Rita Neves. Para a eleita do PS, a preocupação está sim em saber “se este processo está a lesar a cidade”.
A deputada admitiu que houve “um problema de fiscalização de obra”, mas recusou a existência de “um problema de fechar de olhos”. “Não se vislumbra nenhuma inacção por parte da câmara”, defendeu também o seu colega de bancada João Pinheiro, que vê “a inexistência de um auto assinado” como “uma formalidade".
“Lapsos, de boa ou de má fé, acontecem sempre”, afirmou por sua vez o socialista André Couto, frisando que “a lei prevê consequências e um enquadramento jurídico” para essas situações.
“Deve haver uma intervenção exemplar por parte da câmara”, defendeu o deputado, sugerindo que seja feito um pedido ao departamento jurídico da câmara para que aplique ao promotor da obra da torre de Picoas uma coima de “valor elevado e exemplar”. Antes, Manuel Salgado tinha explicado que é a esse serviço municipal que cabe a fixação do valor da coima, que num caso de realização de obras sem licença “varia entre 1500 e 450 mil euros”.
“E que punição pretende para uma câmara que declaradamente não aplicou o Código do Procedimento Administrativo?”, perguntou a André Couto a deputada Margarida Saavedra. “Aqui há dois infractores”, sublinhou a eleita social-democrata, questionando se “só um é que vai apanhar”.
“Há alguma insuficiência, para não ir mais longe, por parte da câmara”, afirmou por sua vez Modesto Navarro, do PCP, referindo-se ao facto de a ordem de paragem dos trabalhos não ter ficado escrita em lado algum nem registada no livro de obra. Face a isso, e por entender que é preciso dar “sinais muito claros”, tanto “para o exterior” como “para a câmara”, de que “estas situações não podem repetir-se”, o deputado defendeu a realização de “um inquérito aos serviços da câmara”.
Tanto André Couto como Miguel Graça, dos Cidadãos Por Lisboa, declararam nada ter a opor à realização desse inquérito. Também Victor Gonçalves, do PSD, se mostrou favorável à iniciativa, acrescentando ter “sérias dúvidas de que os serviços procederam correctamente”.
“É difícil de engolir que não haja responsabilidade dos serviços”, afirmou o deputado, para quem “dá ideia que houve algum laxismo, algum facilitismo”.
“Tenho total confiança nos meus serviços”, reagiu Manuel Salgado. “Tenho total abertura para que seja feita a inquirição necessária”, disse ainda, sugerindo aos deputados presentes na reunião que apresentassem uma recomendação nesse sentido.
Questionado pelo PÚBICO, já depois de concluída a reunião das comissões, sobre se é normal a câmara não pôr por escrito as ordens que dá de paragem de obras feitas ilegalmente na cidade, o vereador desvalorizou. “Acho que é aceitável. Era melhor estar escrito, mas na realidade o efeito pretendido foi conseguido”, concluiu.