Autores portugueses querem Domingos Sequeira em Portugal

A Adoração dos Magos e Domingos Sequeira merecem amplamente este esforço solidário, que dá o exemplo e pode mobilizar novas vontades.

Foi em 1828 que Domingos Sequeira pintou o quadro A Adoração dos Magos, obra visionária que o Museu Nacional de Arte Antiga deseja manter no seu valioso acervo, mas cujo valor - 60 mil euros - não tem condições para assegurar, razão pela qual decorre uma campanha de angariação de fundos que possam garantir a permanência da obra em Lisboa, ao lado de cartão final e dos desenhos preparatórios que tornam ainda mais nossa esta obra que opera uma síntese notável entre o clássico e o românico.

Nascido em Lisboa em 1768 e falecido em Roma, cidade onde viveu e trabalhou durante anos e onde o seu talento foi largamente reconhecido e onde faleceu em 1837, Domingos Sequeira também esteve em Paris, onde foi premiado em 1824. No regresso a Roma criou quatro pinturas religiosas que constituem o ponto cimeiro da sua carreira artística. Deste notável ciclo criativo destaca-se A Adoração dos Magos (100x140), brilhante pela modelação das figuras e pelo notável tratamento da luz.

São estas razões de sobra para que o museu dirigido desde 2010 por António Filipe Pimentel tenha lançado, com apreciável apoio mediático uma bem estruturada campanha para a angariação do valor que possa garantir a permanência do quadro naquele espaço museológico .

Sabe-se que as pessoas têm vindo a contribuir mas que a adesão das empresas a este projecto se solidariedade cultural tem sido muito mais limitada do que seria desejável. Esta obra-prima de Domingos António Sequeira encontra-se há 170 nas mão das mesma família podendo agora tornar-se propriedade do Museu de Arte Antiga, onde terá a seu lado, caso venha a ser adquirida, outras obras marcantes do grande pintor português.

Decorre ainda o prazo de seis meses fixado para a angariação do valor de compra fixado por uma seguradora. Louve-se a oportunidade e a eficácia da campanha que tem como título motivador “Vamos Pôr o Sequeira no Lugar Certo”. E, na realidade, é disso mesmo que se trata. O Museu Nacional de Arte Antiga, por tudo o que é e representa para a vida cultural portuguesa, merece esta prova de apoio e confiança, e Portugal, o dos cidadãos e o do justificado orgulho na criatividade de autores como Domingos António Sequeira, também merece este sinal positivo.

Um museu não pode esperar que o governo e as instituições públicas mobilizem meios e vontades suficientes para a permanência de obras fundamentais. Refira-se, entretanto, que Domingos Sequeira é o artista mais representado na sua colecção, com um total de 45 pinturas, das quais 23 são esboços mais ou menos concluídos, e ainda algumas centenas de desenhos.

Ponderando a representatividade e a beleza da obra, a própria Sociedade Portuguesa de autores, com 90 anos de vida e com as artes visuais entre as disciplinas cujos autores representa e protege, fixou um valor suportado pelo Fundo Cultural resultante do respeito pela Lei da Cópia Privada, vigente desde 2015. Esse valor será dentro de dias entregue ao director do Museu de Arte Antiga, numa demonstração de que os autores de hoje, com base na cobrança dos valores que lhes são devidos, estão solidários com os criadores de outras épocas que muito contribuíram para fortalecer a nossa identidade cultural e artística.

A SPA, que também representa grandes nomes das artes visuais contemporâneas, dá assim um contributo material - o possível -, tendo em conta as dificuldades que o sector da cultura atravessa, para que esta obra permaneça no Museu de Arte Antiga e para que o seu exemplo leve outros autores e instituições a mobilizarem meios e vontades ara que o quadro fique no museu.

Formado em Portugal e em Itália, Domingos Sequeira foi um dos maiores criadores plásticos portugueses de sempre, trabalhando para aristocratas e burgueses ricos e tendo chegado a ser pintor régio, no meio de uma longa e complexa caminhada que incluiu uma passagem pela vida monástica.

A solidariedade da SPA e dos autores portugueses, proporcional aos recursos disponíveis, constitui um acto cívico exemplar e uma demonstração de que os valores de hoje também podem ser mobilizados, nunca em substituição do Estado e dos seus recursos, para proteger e celebrar o grande talento de autores de outras épocas.

Este não é um gesto frequente por parte das sociedades de gestão colectiva, mas demonstra que a SPA, sempre consciente das dificuldades com que se defrontam os autores que representa, é um parceiro cultural e social que sabe estar presente quando tantos outros se imobilizam e se calam. A Adoração dos Magos e Domingos Sequeira merecem amplamente este esforço solidário, que dá o exemplo e pode mobilizar novas vontades. O valor do contributo dos autores portugueses será anunciado durante o acto de entrega da doação. Deve, entretanto, o Estado Português pensar na forma de assegurar a protecção de obras que devam permanecer nos museus portugueses, ao serviço de Portugal e da preservação da nossa memória colectiva.

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

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