Lisboa precisa de 403 médicos de família, ao Norte bastam 65
Nos últimos quatro anos, emigraram mais de mil médicos de família.
A pergunta impõe-se: por que é que, a Norte, o problema da falta dos médicos de família está quase resolvido, enquanto em Lisboa e no Algarve mais de um quinto dos cidadãos continuam a não ter clínico assistente atribuído nos centros de saúde? Os números são esmagadores: no Norte, que cobre sensivelmente a mesma população do que a região de Lisboa e Vale do Tejo, faltam 65 médicos de família para que todos os cidadãos inscritos tenham uma resposta adequada nos centros de saúde, enquanto na capital e arredores são precisos mais 403 profissionais. Só na área de Sintra, uma das que tem maiores carências, são necessários 46 médicos, de acordo com os dados disponíveis no Portal da Saúde.
Em todo o país, a equipa que lidera o Ministério da Saúde calcula serem necessários mais 616 médicos de família para permitir resolver o problema de mais de um milhão de portugueses que ainda não têm clínico assistente (são 1.084.430, no total). Estes dados são agora desvendados graças a uma ferramenta criada pela tutela para gerir os recursos humanos e que permite perceber com rigor qual é o número de médicos a trabalhar ou em falta em cada centro de saúde e saber quantos utentes atendem.
O presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiares (USF-AN), João Rodrigues, avança duas explicações para a flagrante disparidade Norte/Sul. No Norte, o número de USF (equipas de médicos, enfermeiros e secretários que se constituem de forma voluntária, usufruem de autonomia e conseguem abranger mais utentes) é mais elevado (há 231). Lisboa e Vale do Tejo tem apenas 136 USF e o Algarve, uma mera dezena, menos do que o Alentejo.
No Norte, há outro factor que justifica a cobertura quase total da população: a formação de novos médicos de família para substituir aqueles que se vão aposentando em grande número. Por isso é que o Norte vai ter, diz João Rodrigues, que “exportar” médicos para o Sul - o Algarve e Lisboa e Vale do Tejo. A região Centro está numa situação confortável, ainda que pior do que o Norte - tem cerca de 90% da população coberta.
Mas João Rodrigues avisa que, se não se inverter a tendência da dificuldade e morosidade nas colocações dos novos médicos, como acontece actualmente, os profissionais vão continuar a emigrar. “Não vão para Lisboa, vão para o Dubai, para Paris, para Londres”, lamenta. Nos últimos quatro anos, segundo a Ordem dos Médicos, emigraram mais de mil médicos de família.
“É preciso criar condições para reter os nossos especialistas, agilizando os processo de recrutamento [o que a equipa ministerial já prometeu, com a mudança para um concurso a nível nacional, mais rápido] e também criar um clima de confiança. É preciso dar esperança, não é só uma questão de dinheiro”, sublinha. Além disso, acrescenta, é preciso que todas as candidaturas à abertura de USF sejam aprovadas.
Ter só mais médicos nos centros de saúde não basta, avisa também. João Rodrigues prefere pôr a tónica na necessidade de contratar outros profissionais para os centros de saúde - além dos enfermeiros e secretários clínicos, mais nutricionistas, psicólogos clínicos, fisioterapeutas, assistentes sociais - e apostar-se em consultas de saúde oral e de oftalmologia, como os responsáveis ministeriais também já prometeram. Mas como é que isso vai ser possível com o congelamento das admissões na administração pública, pergunta o presidente da associação?
No que toca aos médicos, o que a tutela adiantou é que espera que a situação melhore já neste ano, uma vez que há 256 internos a terminar a sua especialidade em medicina geral e familiar e haverá mais 277, em 2017. No entanto, é preciso ter também em conta as aposentações. Por exemplo, em 2021 está prevista a reforma de 541 médicos de família que atingem os 66 anos, e de 450 em 2020. Até lá o ritmo também será superior a 200 por ano. com Romana Borja Santos