Desde 2010 reformaram-se 3000 médicos e metade saiu dos centros de saúde
Ministério anuncia a contratação de 400 reformados em 2015 e nota que foram abertas mais de cinco mil vagas para novos médicos, desde 2012.
Para contrariar esta debandada, o Ministério da Saúde (MS) lembra que tem em curso uma dezena de medidas. O gabinete de Paulo Macedo adianta que 108 médicos de família reformados, de um total de 169, estão a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e anuncia que foi esta terça-feira estabelecida, para 2015, a contratação de 400 aposentados.
O regime legal de contratação foi alterado "face ao fluxo significativo de aposentações de médicos nesta especialidade e por forma a reforçar a adesão voluntária pelos seus interessados", justifica o MS. Descontando “as reformas prováveis” e “medindo os efeitos das medidas em curso”, faltam 652 médicos de família, a maior parte dos quais (421) na região de Lisboa e Vale do Tejo, contabiliza agora o gabinete de Paulo Macedo. As contas não batem certo: o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar afirma que faltam 800 profissionais e responsáveis da Ordem dos Médicos também falam em números diferentes.
Arnaldo Araújo, dirigente do Sindicato dos Médicos do Norte e da Federação Nacional dos Médicos, dedica-se há anos a uma contabilidade trabalhosa. Em cada mês, filtra a lista de novos reformados da Caixa Geral de Aposentações (CGA). É essa contabilidade que permite perceber que, em 2014 e nos primeiros seis meses deste ano (a CGA publica as aposentações com um mês de avanço), a saída de médicos do SNS por aposentação voltou a acelerar, face aos dois anos anteriores. E a maior parte foram médicos de família.
Nem as medidas de aumento da idade da reforma e de reforço da penalização da pensão antecipada que entraram em vigor em 2014 chegaram para travar o ritmo das saídas. Contrariando a tendência dos dois anos anteriores, este ritmo atingiu mesmo valores semelhantes aos de 2010 e 2012, quando a alteração das regras de jogo provocou uma corrida às aposentações antecipadas.
Em 2010, segundo as contas deste dirigente sindical, reformaram-se 606 clínicos e, em 2011, 666. Nos dois anos seguintes, os números baixaram para 402 e 463, respectivamente. Mas em 2014 voltaram a subir (601) e, entre Janeiro e Junho deste ano, somam já 309. O problema é que, no ano passado, mais de metade dos que saíram eram médicos de família.
O MS contrapõe que, entre 2012 e 2015, foram abertos concursos num total de 1197 vagas, mas admite que há 237 especialistas a aguardar colocação. "Tudo indica que entrarão todos no concurso que está a decorrer", diz. Nos hospitais, o quadro disponibilizado contabiliza a abertura de 3110 vagas, mas alguns dos concursos só foram lançados este ano e não se sabe quantos foram recutados, de facto.
Maior parte reforma-se antes dos 66 anos
Voltemos aos centros de saúde, porque é aqui que a saída de reformados tem um impacto maior. De tal forma que, à semelhança dos seus antecessores e apesar das novas contratações, o ministro da Saúde deverá chegar ao fim desta legislatura sem cumprir aquilo que prometeu: dar um médico de família a cada português.
Esta terça-feira, o Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos (CRNOM) divulgou os resultados de um estudo que indica que, só nesta região, dos cerca de 400 especialistas que se aposentaram desde 2011, quase 93% saíram antecipadamente. A maior parte tinha entre 55 e 60 anos, sublinha. “Apesar dos sucessivos anúncios do Governo para a contratação de novos especialistas”, ainda há “milhares” de portugueses sem médico de família, lamenta o presidente do CRNOM, Miguel Guimarães, que diz que “bastava” que os que se reformaram antecipadamente nos últimos 15 meses continuassem a trabalhar para que no Norte toda a gente tivesse médico de família.
Em Portugal, ainda há mais de 1,2 milhões de pessoas sem médico de família e a distribuição é muito assimétrica. O Norte é a região do país onde a cobertura de especialistas nos centros de saúde é maior (96,7%), segundo os dados do ministério, que lembra que o Algarve e Lisboa e Vale do Tejo são as regiões mais depauperadas. No Algarve, mais de um quarto dos utentes não têm médico de família e, em Lisboa e Vale do Tejo, mais de um quinto estão nesta situação.