Centros de saúde “mais humanos” vão facilitar renovação de receitas

Medida vai permitir que doentes crónicos vão às farmácias sem passar pelo centro de saúde. Proposta faz parte da reforma dos cuidados de saúde primários apresentada pelo Ministério da Saúde.

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Ministro da Saúde e secretário de Estado Adjunto na apresentação das medidas para os centros de saúde Enric Vives-Rubio

“Um Serviço Nacional de Saúde mais próximo, mais eficiente e mais humano”. As palavras são do ministro da Saúde e resumem aquilo que o Governo pretende fazer com a reforma dos cuidados de saúde primários, apresentada nesta quarta-feira, na Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), em Lisboa. Contudo, Adalberto Campos Fernandes fez questão de salientar que estamos perante um “relançamento”. Na verdade, o trabalho foi iniciado em 2005, com a criação de centros de saúde mais modernos conhecidos como unidades de saúde familiar (USF), mas que nos últimos anos praticamente pararam.

A ideia da tutela é que “Portugal daqui a dois anos esteja menos dependente de uma rede hospitalar” com um novo modelo de centros de saúde “mais resolutivos e com outro tipo de resposta”, que permita travar o recurso excessivo às urgências hospitalares. Já neste ano, o Ministério da Saúde quer abrir 30 novas USF, que pela forma como trabalham, com uma equipa e indicadores de qualidade, vão permitir dar resposta a mais 100 mil utentes do que os mesmos centros de saúde antigos conseguiam atender. Há ainda outras 30 USF que já existem e que vão passar para um sistema conhecido como “modelo B”, em que o desempenho dos profissionais tem ainda mais repercussão no vencimento.

Projectos-piloto para saúde oral e rastreios oftalmológicos nos cuidados primários, são outras das propostas de Campos Fernandes, que parte para esta reforma com um défice de 620 médicos de família em todo o país. O ministro, como todos os seus antecessores, quer dar um médico de família a todos os portugueses, mas resiste à “tentação” de ser tão taxativo. “Não tenho a certeza de o conseguir fazer”, admitiu. Com estas mudanças, se tudo correr bem, no terreno os utentes vão sentir um “melhor acesso, mais qualidade, mais afabilidade”, sintetizou o coordenador nacional para a reforma do SNS na área dos cuidados de saúde primários, Henrique Botelho, presente na mesma sessão.

Receitas sem ir ao centro de saúde

Para facilitar a vida aos doentes, uma das propostas é que a “receita sem papel” avance em mais dimensões. Segundo explicou o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, a ideia é que “os médicos possam ir ao sistema informático prescrever a receita e os doentes com patologia crónica dirijam-se à farmácia para aviar as receitas”. A medida deverá arrancar durante o primeiro semestre em vários locais de todo o país e foi especialmente pensada para “os doentes que vivem mais longe e mais idosos, a quem é preciso facilitar o acesso à medicação”. A ida directamente à farmácia pode ser pensada para outras doenças, mas o tema ainda não foi estudado.

Saúde oral

Entre dez a 15 centros de saúde da região de Lisboa e Vale do Tejo e do Alentejo vão receber até ao fim de Junho algumas experiências-piloto no âmbito da proposta da tutela de levar a saúde oral até aos cuidados de saúde primários. O secretário de Estado Adjunto e da Saúde explicou que estas experiências serão depois avaliadas, para estender a cobertura a todo o país – num prazo com o qual não se comprometeu. No entanto, Fernando Araújo adiantou que farão mais do que “higienização”, com o projecto a pretender promover a saúde oral e proporcionar também tratamentos dentários, como a reabilitação oral. A prioridade será para os utentes mais vulneráveis, com insuficiência económica e com patologias crónicas associadas, isto é, adultos com patologia oncológica, diabetes e patologia cardiovascular.

Oftalmologia

Também no primeiro semestre vão arrancar as experiências-piloto na área dos rastreios oftalmológicos. Neste caso os projectos vão arrancar no Norte, com dois hospitais e quatro agrupamentos de centros de saúde, explicou Fernando Araújo. Há duas vertentes: no rastreio da retinopatia diabética, que já é feito, o momento será aproveitado para fazer também um da doença macular e do glaucoma. Será criado um outro sistema para despistar precocemente a ambliopia nas crianças.

Enfermeiros de família e secretário clínico

“A ideia é avançar em paralelo com os enfermeiros de família e secretários clínicos tanto nas USF como nos antigos centros de saúde”, explicou Fernando Araújo. Nas USF a figura do secretário já existe, mas a ideia é tornar este profissional uma porta de entrada no sistema ainda mais fundamental e “afável” para conduzir o cidadão. Quanto à enfermagem, estão a ser debatidos com a Ordem dos Enfermeiros e com os sindicatos a melhor forma de avançar com projectos-piloto para concretizar a antiga promessa de criar enfermeiros de família. Um dos degraus passa por reconhecer a especialidade de enfermagem familiar no âmbito do SNS.

Colocação de médicos de família

As negociações com o Ministério das Finanças ainda não estão fechadas. Porém, se tudo correr como pretende o Ministério da Saúde, os médicos de família vão passar a ser colocados através de um concurso de carácter nacional e que tem apenas em consideração a nota final da especialidade, dispensando-se a realização de uma entrevista. Com isto será possível colocar os clínicos nos locais onde são necessários logo um mês depois de terminarem a especialidade. Os profissionais deixam de ficar nas regiões onde foram formados e vão para os locais onde há portugueses que continuam sem médico. Fernando Araújo acredita que vai conseguir que os recém-especialistas queiram mudar de região e manter-se no SNS com “projectos claros e que os motive”. Também Henrique Botelho considera que o segredo passa por “tratar bem” os clínicos”. O que significa isso? “Criar as melhores condições possíveis para que desenvolvam da melhor forma possível as competências que adquiriram. Há muita forma de premiar os bons desempenhos, até palavras, comportamentos”, sublinhou.

Pagamento por desempenho

Nos novos centros de saúde, conhecidos como USF, parte do pagamento dos profissionais de saúde já é feito tendo em consideração o desempenho global da equipa. Nos antigos centros de saúde isto ainda não existe e a tutela quer levar o espírito das USF mesmo para os locais que ainda não funcionam organizados daquela maneira, já que considera que são “a forma mais adequada de prestar cuidados de saúde, com melhores resultados e qualidade para os utentes”. “Será privilegiado cada vez mais que o sistema remuneratório e os contratos a efectuar incluam a responsabilização, a avaliação do desempenho e a partilha de algum risco, ou seja, que o sistema remuneratório seja também sensível ao desempenho”, concretizou Henrique Botelho, que acredita que esta forma de pagar se traduz em melhores cuidados para os utentes.

USF “multipolo”

O nome parece complicado, mas segundo Henrique Botelho a ideia é dar resposta às USF que são muito pequenas e que funcionam com poucos profissionais, para garantir que os utentes conseguem manter a resposta de que precisam. “Temos unidades muito pequenas, só com um médico de família, um enfermeiro e um secretário clínico. A ideia é que nestas unidades muito pequenas, que algumas delas não podem desaparecer, os profissionais, numa lógica de compromisso de equipa, possam intersubstituir-se e revezar-se”. Nestes casos, os profissionais em vez de trabalharem num único local vão circular pelas USF onde pode haver necessidade de substituir colegas, por exemplo em caso de doença ou férias.

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