Os Cachola, uma família de coleccionadores na Arco

António Cachola acaba de receber o Prémio A para o coleccionismo atribuído pela Fundación Arco. E acredita que este pode ser um contributo importante para a internacionalização da sua colecção.

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O coleccionador português António Cachola
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Jorge M. Pérez é um multimilionário americano de origem cubana
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A italiana Patrizia Sandretto constituiu uma fundação três anos depois de ter iniciado a sua coleccção

O que é que António Cachola, Jorge M. Pérez e Patrizia Sandretto Re Rebaudengo têm em comum? Nesta terça-feira antes do jantar, os três receberam em Madrid um prémio da Fundación Arco dedicado ao coleccionismo, mas além de uma paixão pela arte contemporânea é difícil arranjar outros pontos de convergência nestas biografias que juntam um alentejano administrador da Delta Cafés, um multimilionário americano de origem cubana que nasceu na Argentina e uma italiana de Turim formada em economia e com dinheiro de família.

A feira de arte contemporânea de Madrid (Arco), que abre na sexta-feira ao público e que por estes dias recebe os visitantes profissionais e a imprensa, juntou-os para mostrar, como faz todos os anos através destes prémios A, como o coleccionismo é importante para o mercado da arte.  Este ano, foram convidados 250 coleccionadores, acção para a qual foi destinada uma verba de 1,5 milhões de euros de um orçamento total de 4,5 milhões. A fundação paga-lhes as viagens e todo o tipo de despesas, que muitas vezes incluem tratamento VIP.

À cerimónia de entrega dos prémios não assistiram os jornalistas, mas a Arco promoveu um encontro no Hotel Westin Palace com os vencedores – além dos três coleccionadores privados, foram também distinguidas três instituições (Museus do Qatar, Inelcom e Banco Sabadell). António Cachola, visivelmente feliz, foi o primeiro a chegar, com o presidente da Câmara de Elvas, cidade onde está instalada a colecção portuguesa, e a família. “Em primeiro lugar foi uma surpresa, não estava à espera do prémio.”

O economista português recebeu um telefonema do director da Arco, Carlos Urroz, a anunciar o prémio dado pela feira que todos os anos frequenta. “Foi fácil concluir que o prémio nunca existiria se não existisse a colecção, mas a colecção só existe porque temos artistas visuais em Portugal de elevada qualidade. Por isso, o produto final do meu trabalho como coleccionador é uma colecção que acho que tem grande relevância no domínio da arte contemporânea.”

Iniciada no princípio dos anos 90, é exclusivamente dedicada a artistas portugueses contemporâneos e tem sido elogiada pelo seu trabalho contínuo mesmo em tempos de crise e de desinvestimento na cultura. “Comecei a fazer a colecção pelo grande prazer que dá, mas como tive, desde o início, a vontade de ver a colecção construir um museu, é difícil parar. É evidente que há momentos com mais ou menos fôlego...”

Cachola, 61 anos, diz que há oportunidades e ameaças tanto em momentos de euforia como nos de crise. “Como a colecção escolhe artistas e dentro desses artistas escolhe núcleos de obras importantes, há momentos em que estou praticamente obrigado a continuar a comprar para conseguir fazer o projecto que tenho em mente.”

O que não há é um orçamento mínimo anual. “Não penso nesses termos. Se não estava balizado a ter de o executar. Vou estando atento à produção. Visito as exposições, tenho contacto com os artistas nos ateliers, falo com directores de museus, com críticos de arte, e vou-me apercebendo do que está a ser feito. Em função da colecção que já tenho, vou tomando as minhas decisões. Não tenho de pensar só no meu gosto particular, apesar de ele ser fundamental e determinante, mas nos públicos que vão ver a colecção.”

António Cachola acha que o prémio pode dar um contributo importante para a internacionalização da colecção, ao despertar curiosidade. Se as itinerâncias em Portugal já estão ganhas, fora de Portugal a sua colecção ainda só foi vista em Badajoz (no MEIAC – Museu Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo), mesmo ali na fronteira. “A colecção pode ser um instrumento importante para a internacionalização da arte contemporânea portuguesa. Acho que os artistas merecem completamente. Temos mostrado lá fora o que está a ser feito em termos individuais, mas em termos colectivos a colecção Cachola pode fazê-lo muito bem.”

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Jorge Molder é um dos artistas representados na Colecção António Cachola,

Nos últimos tempos, António Cachola tem tido a única filha, Ana Cristina, 32 anos, a trabalhar de uma forma mais próxima. Foi ela a curadora da exposição de João Louro no Museu de Arte Contemporânea de Elvas, que representou Portugal na Bienal de Veneza no ano passado. Sobre a relação da filha com a colecção, Cachola diz que é “um homem feliz, um coleccionador feliz, mas também um pai feliz". “A Ana Cristina por vontade própria abraçou este mundo. Estou muito contente por ela ter estudado, investigado”, diz, acrescentando que ela lhe expôs as suas dúvidas sobre ser a curadora de uma exposição no museu que alberga a colecção do pai.

A construção da colecção tornou-se uma reflexão feita em família. “O prémio é um orgulho imenso porque diz respeito a todo um percurso que o meu pai construiu. Tenho um envolvimento muito grande com a colecção, que é em primeiro lugar uma colecção de afectos, porque a construí com o meu pai, algumas vezes com a minha mãe. Temos uma série de episódios de família na construção da colecção.”

Tem sido, diz, uma aprendizagem muito grande. “O trabalho que desenvolvo hoje na minha investigação artística, no meu trabalho de curadora, e de escritora sobre as artes tem a ver com todo este conhecimento passivo e com esta biografia que tenho também de agradecer ao meu pai.”

Os dois têm discutido a possibilidade de abrir a colecção ao diálogo com artistas estrangeiros. “Já não há sentido em falar de arte contemporânea portuguesa. Há arte contemporânea produzida por artistas portugueses, ou seja, por artistas que partilham umas vezes uma geografia, outras vezes um imaginário. Há um conjunto de preocupações, um conjunto de tendências técnicas, programáticas, temáticas, que estão omnipresentes em toda a arte à escala global.”

Por isso, explica Ana Cristina Cachola, será muito interessante ir buscar artistas que em geografias diferentes têm as mesmas preocupações. Ou preocupações completamente diferentes partindo de um pretexto semelhante. “É isso que a arte é hoje, um diálogo com a realidade, com a academia, com os meios de comunicação, com a cultura popular, com todas as expressões artísticas. Portanto, nós também queremos uma ampliação geográfica.” Datas para esse passo, dizem pai e filha, ainda não há.

Da Europa à América

De certa maneira, foi o que aconteceu, com as devidas distâncias, com a colecção de Jorge Pérez, que o El País incluiu este fim-de-semana no top 10 do coleccionismo em espanhol. Começou centrada numa região geográfica e nos últimos anos ganhou o mundo. Pérez, um homem que fez fortuna no imobiliário e que vive em Miami desde 1968, disse ao PÚBLICO que o prémio “é um reconhecimento muito simpático da sua feira preferida”.

Cita a Art Basel, que desde há uns anos tem uma sucursal também especializada em arte latino-americana na sua cidade, mas diz que a Arco é muito mais divertida. “É uma feira a que venho há seis ou sete anos, que teve um tempo muito difícil durante o colapso económico de Espanha, mas que vejo a recuperar muito bem para ser uma das feiras mais fortes do mundo.” E por que razão é a favorita? “Porque não é só sobre a arte, mas é sobre as pessoas. Aqui tenho amigos muito importantes. Todo o tempo que não estou a comprar, a olhar e a aprender, estou com eles a comer, a beber, e os espanhóis gostam de comer e beber como eu.”

Quanto à questão da especialização na América Latina, uma área em que a Arco tem cada vez mais concorrentes, Pérez, que em 2013 abriu um museu em Miami desenhado pelos suíços Herzog & de Meuron, diz que os artistas espanhóis também lhe são muito queridos. “Há toda uma colecção espanhola que vai para a América do Sul. E muitos dos pintores sul-americanos passam muito tempo em Espanha na sua formação.”

Jorge Pérez conta-nos que foi depois da doação ao Pérez Art Museum Miami que a colecção deixou de ser 100% latino-americana. À pergunta onde é que compra arte dessa região, se apenas na América ou também na Arco, o coleccionador responde que em "todo o lado". Para os dias seguintes à entrega do prémio, este filho de pais cubanos já tinha encontros marcados com dois artistas de Cuba que vivem em Madrid, Carlos Garaicoa e Glenda Léon. “A arte é muito internacional nesse sentido. E os grandes artistas são representados por grandes galerias em qualquer lugar do mundo.”

O que torna um coleccionador grande, conclui Jorge Pérez, “é um sentido de comunidade, de querer partilhar a arte”. E é isso que une os três premiados.

Patrizia Sandretto, três anos depois de ter começado a sua colecção, estava a criar uma fundação, que além de expor artistas também os apoia com encomendas. Para ela tudo começou com um encontro com Anish Kapoor no atelier do artista em Londres, cheio de montes de pigmentos que eram uma escultura. “A arte contemporânea é a única que permite conhecer os artistas e isso é algo de fantástico.”

O PÚBLICO viajou a convite da Turespaña/ArcoMadrid

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