Na fronteira, Papa pede perdão para aqueles que não sabem ajudar os migrantes

Francisco termina visita de cinco dias ao México com missa campal junto à fronteira com os Estados Unidos.

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No Centro de Reinserção Social do complexo penal de Juárez, o Papa apelou ao fim do ciclo de violência REUTERS/Gabriel Buoys/Pool

O Papa Francisco passou as últimas horas da sua visita de cinco dias ao México no árido e sofrido estado de Chihuahua, o território calcorreado pelos milhares que procuram a fronteira com os Estados Unidos ou para escapar da pobreza e da violência ou para lucrar com o negócio do narcotráfico – e para quem o Pontífice tinha palavras de conforto e esperança. “Perdoem quem não sabe ajudar-vos”, pediu Francisco aos primeiros. “Não contribuam para esta sociedade que usa as pessoas e as deita fora. Vocês podem travar este ciclo de violência e exclusão que não pára de acumular vítimas”, aconselhou aos segundos.

Numa viagem em que nunca se furtou da controvérsia, o Papa escolheu a capital do país para denunciar a iniquidade da corrupção e a da desigualdade; a sede da cultura indígena de Chiapas para lamentar as ofensas e feridas abertas pela exclusão e marginalização ou pelo desrespeito ao meio ambiente; e no estado de Michoacán, controlado pelos “narcos”, preveniu os mais jovens para os riscos da resignação ao statu quo da violência e do tráfico de droga.

O tema que escolheu para a sua derradeira etapa é dos que mais o preocupa: o fenómeno das migrações, alimentado pela pobreza, a opressão, a perseguição ou a guerra. Na era da globalização, Francisco tem levantado a voz contra a “globalização da indiferença” perante o sofrimento de famílias que arriscam a vida “em busca de um pouco de paz e dignidade”. Não por acaso, nos dias anteriores, o Papa cumpriu a rota da terra prometida para as populações da América Central, que cruzam o México, de Norte a Sul, para alcançar a fronteira dos Estados Unidos.

Em Juárez, junto ao muro que delimita o território dos dois países – onde milhares de pessoas morreram nos últimos anos a tentar passar para o Texas – existe um pequeno altar que Francisco fez questão de incluir no seu trajecto: foi ali que se construiu o palco que acolheu a última missa celebrada pelo Papa no México, para a qual foram distribuídos mais de 215 mil bilhetes. Além disso, a cerimónia tinha direito a transmissão em directo do outro lado da fronteira – as portas do estádio Sun Bowl, de El Paso, estavam abertas e esperava-se uma multidão de 30 mil pessoas.

A solidariedade manifestada pelo Papa com os migrantes que tentam entrar nos EUA valeu críticas do favorito na corrida à nomeação republicana para a Casa Branca, Donald Trump, que prometeu reforçar o muro que separa os dois países se for eleito Presidente. “Não me parece que o Papa perceba o perigo que a fronteira com o México representa”, declarou o milionário, que causou polémica ao descrever os imigrantes mexicanos como criminosos, traficantes e violadores.

Antes da missa, Francisco visitou o Centro de Reinserção Social número 3 do complexo penal de Juaréz, “o inferno”, como era conhecido o estabelecimento prisional mais perigoso do México nos tempos em que era dominado pelo cartel Sinaloa. “Aqui matava-se por nada”, recordou ao El País um ex-detido de 48 anos, referindo-se à sequência de motins, agressões e violações a que assistiu durante o seu encarceramento.

Era uma réplica da vida que se vivia fora da cadeia: para os moradores de Juaréz, a visita do Papa é a prova acabada das mudanças profundas por que a cidade passou nos últimos cinco anos, depois de ficar conhecida em todo o mundo como o epicentro da violência e brutalidade dos cartéis do narcotráfico e o símbolo do fracasso da guerra às drogas.

A chegada em força do Exército, a purga das forças policiais locais, e o fim da guerra territorial entre cartéis contribuiu para que, entre 2010 e 2015, o número de homicídios em Ciudad Juárez caísse do recorde de 3000 para 300 – uma descida tão impressionante que chega a iludir a dura realidade que ainda se vive na cidade. Raptos e abusos de mulheres continuam a ser ocorrências comuns; toxicodependentes e sem abrigo, ou prostitutas e “falcões” ocupam bairros inteiros e afugentam os visitantes; a extorsão ainda “come” uma parte das receitas do comércio.

Mas se a presença de Francisco deu azo a elogios ao sucesso das medidas de segurança, também ofereceu uma oportunidade para a população “reclamar” das suas condições de vida: do desemprego ou dos baixos salários, da carência de infraestruturas e também de escolas. O Papa esteve reunido com uma delegação de empresários e dirigentes políticos, a quem lembrou que “o melhor investimento que se pode fazer é nas pessoas, nas famílias”. Para “os jovens que estão expostos à falta de oportunidades de estudo ou de trabalho sustentável” é muito fácil “cair no ciclo do narcotráfico e da violência”, observou Francisco.

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