Reverter a lei do eucalipto
Reverter a lei do eucalipto é um passo insuficiente, mas certo, na procura de uma floresta e de um território racional e útil ao país.
Declaração de interesses: este artigo, em resposta ao artigo do ex-secretário de Estado das Florestas, Francisco Gomes da Silva, “Revogação da liberalização do eucalipto? Sejamos sérios…”, é escrito por um engenheiro do ambiente e antigo funcionário de uma organização ambientalista que esteve envolvido na Plataforma pela Floresta e no pedido de apreciação parlamentar que reuniram dezenas de organizações e personalidades contra o Decreto-Lei nº 96/2013, de 19 de Julho, a lei da liberalização da plantação de eucaliptos.
No artigo de Gomes da Silva é destacado que no período após a entrada em vigor da lei dos eucaliptos (por uma questão de simplificação designarei assim o DL 96/2013), de Outubro de 2013 a Junho de 2015, o aumento da área média de eucalipto é a mais reduzida dos últimos 20 anos, com um acréscimo de 5109,4 hectares. A média de expansão de eucaliptos seria de 2900 hectares/ano, pequena quando comparada com o período entre 1995 e 2005 (6850 hectares por ano) e com o período entre 2005 e 2010 (5200 hectares por ano). Pareceria então fazer sentido a afirmação de que a nova lei dos eucaliptos tinha de facto feito com que diminuísse a plantação de eucaliptos. Ora, há outros dados que importa destacar na evolução da floresta portuguesa no período pré e pós-lei dos eucaliptos:
– Entre 1990 e 2000, Portugal perdeu área florestal a um ritmo de 9,3 mil hectares por ano;
– Entre 2000 e 2010, Portugal perdeu área florestal a um ritmo de 10,4 mil hectares por ano;
– Entre 2010 e 2015, Portugal perdeu área florestal a um ritmo de 11,4 mil hectares por ano;
– Entre 1990 e 2015, Portugal perdeu 254 mil hectares de área florestal.*
Isto é, enquanto Portugal foi perdendo área florestal, foi ganhando monocultura de eucalipto (segundo as contas de Gomes da Silva, enquanto Portugal perdeu 254 mil hectares de floresta, ganhou 120 mil hectares de eucalipto). Preocupa-se o autor por o aumento de eucaliptal ter abrandado, mas ignora a perda crescente de área florestal. Há cada vez menos área florestal para cada vez mais eucalipto. Não é razoável invocar o abrandamento da expansão do eucalipto e desprezar que esse eucalipto, por virtude da diminuição da área florestal, é cada vez mais claramente a árvore predominante na floresta nacional. Há cada vez menos floresta, cada vez há menos emprego florestal e, apesar do eucaliptal ocupar uma área cada vez maior, emprega cada vez menos pessoas.
Mas olhando para as fontes de Gomes da Silva, nomeadamente a nota que dá conta dos efeitos da lei do eucaliptal**, há muita informação não referida:
– Foram decididas favoravelmente e tacitamente deferidas 10 mil acções equivalentes a 32 mil hectares de arborização ou rearborização;
– 91% das acções de rearborização foram de eucaliptos;
– 81% das acções de arborização foram de eucaliptos;
– 85% dos processos são para áreas abaixo de dois hectares;
– Foi autorizada a rearborização de 2587 hectares com outras espécies florestais que foram substituídas por eucalipto, 63% dos pedidos;
– Foram autorizadas acções de arborização e rearborização para 1798,2 hectares de eucalipto dentro do Sistema Nacional de Áreas Classificadas.
É ainda de referir que o valor de 5109,4 hectares de novo eucaliptal não está presente. É possível encontrar o valor de 17032 hectares de eucalipto em acções de arborização e rearborização (13134 em 2014, 3898 até Julho de 2015). Ora, a descontextualização de informação estatística não é naturalmente uma novidade, mas perante um debate em que Francisco Gomes da Silva pede elevação ao novo ministro da Agricultura, convém usá-la.
Mas vale a pena recuperar alguns “sound bites” que se tentam desvalorizar:
– O DL 96/2013 simplifica a plantação de eucaliptos mas complica a plantação de espécies florestais autóctones como o sobreiro, o castanheiro, o carvalho ou a azinheiras;
– Gomes da Silva defende que a lei deixa de discriminar o eucalipto em relação a outras árvores, mas a “discriminação” desta espécie no período anterior permitiu que a mesma atingisse mais de 850 mil hectares, sendo a primeira espécie florestal do país, e fazendo de Portugal o país com a maior área relativa de eucalipto em todo o mundo, com 8,9% do território nacional ocupado por esta espécie exótica. Em área total de eucalipto, Portugal perde apenas para a China, a Índia, o Brasil e a Austrália.
A legislação em vigor no período anterior à lei do eucalipto de 2013 era seguramente insuficiente e frequentemente violada, mas Gomes da Silva naturalmente não parte do princípio de que uma lei mais fraca seja menos violada, pelo que à expansão legal do eucalipto acresce a expansão ilegal do eucalipto e a proliferação natural da espécie, cujo carácter invasor é reconhecido em Espanha, nos Estados Unidos ou na Nova Zelândia, mas não em Portugal. Considerando o exposto, o que se torna difícil de compreender é um ex-governante estar preocupado com a revogação da uma lei da sua responsabilidade, e não com a floresta nacional e com a degradação do território nacional que acompanha a expansão do eucaliptal. Reverter a lei do eucalipto é um passo insuficiente, mas certo, na procura de uma floresta e de um território racional e útil ao país.
Terminando com declarações de interesse, esclareço que Francisco Gomes da Silva foi o secretário de Estado responsável pela entrada em vigor do decreto-lei mencionado, após a demissão em 2013 do anterior secretário de Estado Daniel Campelo, que tardava em aprovar o dito decreto-lei. O ex-secretário de Estado fundou, dirigiu e é sócio da Agro.Ges, sociedade de estudos e projectos que tem entre os seus principais clientes o Grupo Portucel-Soporcel. Não se pode naturalmente inferir destas relações qualquer juízo, mas os números expostos pelo autor falham no processo de credibilizar a lei do eucalipto de 2013.
*Global Forests Assessment 2015 (FAO, 2015)
** Nota Informativa do ICNF – Acções de Arborização e Rearborização – Principais Indicadores (2015)
Engenheiro do ambiente