A ofensiva de Assad em Alepo condena negociações de paz ao fracasso
À entrada para dois dias de encontros de alto nível sobre a Síria, o melhor a esperar é um reforço na ajuda humanitária à população cercada.
Raramente na guerra da Síria foi tão grande a urgência de um cessar-fogo e tão pouco provável o caminho para lá chegar. Os grandes actores internacionais com mão na guerra encontram-se esta quinta-feira em Munique para acertarem as condições para que grupos de rebeldes e forças leais ao regime se encontrem no final do mês e cheguem a uma trégua. Mas ninguém acredita que isso vá acontecer em plena campanha por Alepo, que divide abertamente os aliados ocidentais e pode estar prestes a dar a maior vitória ao Governo de Assad dos últimos anos de conflito.
“Será fácil chegar a um cessar-fogo em breve porque a oposição morrerá toda”, disse um diplomata ocidental à Reuters, antecipando o encontro do chamado Grupo Internacional de Apoio à Síria, ou ISSG, na sigla em inglês. É o tom consensual entre diplomatas: “É difícil usar as palavras cessar-fogo depois dos acontecimentos dos últimos dias”, afirmou o porta-voz do ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Martin Schäfer, resumindo uma conversa por telefone entre os chefes da diplomacia alemã e russa. Segundo ele, os dois concordaram naquilo que para muitos é o único objectivo concretizável em Munique: "É urgente chegar em conjunto a uma maneira de garantir ajuda humanitária às pessoas em desespero."
A sangrenta batalha pela maior cidade síria pode alterar decisivamente o aspecto do país num cenário de pós-guerra. Soldados governamentais e milícias xiitas comandadas pelo Irão estão prestes a cercar Alepo e posicionar-se a poucos quilómetros da fronteira turca. Na prática, este grande bastião rebelde já não tem acesso às vitais linhas de abastecimento com o Norte, para onde na última semana fugiram 30 mil pessoas. Estão lá ainda, em campos improvisados ou ao relento, em pleno Inverno, à espera de autorização de Ancara para entrar no país como refugiados. Ao todo, revelou esta quarta-feira a Cruz Vermelha, as campanhas militares de Fevereiro fizeram 50 mil novos deslocados no país.
Um cerco do regime ao coração urbano de Alepo pode significar o isolamento de cerca de 300 mil pessoas que ainda estão na cidade em ruínas. Os militares sírios já tinham tentado esta operação há exactamente um ano, quando eram eles quem estavam cercados numa pequena península em Alepo, mas com acesso a uma base aérea para transportar mantimentos e feridos. Falharam por não terem então o crucial apoio da intensa barragem de bombardeamentos russos dos últimos dias.
O Ocidente acusa Moscovo de estar a atacar de forma indiscriminada, com pesadas baixas para a população civil. Nesta quarta-feira, aliás, a rede de activistas da organização oposicionista Observatório Sírio dos Direitos Humanos anunciou que, pelas suas contas, morreram mais 500 pessoas em Alepo nos últimos dez dias. As baixas são mais pesadas no lado rebelde, onde a organização diz contar 23 crianças mortas em ataques russos desde o início do mês. Face a estas e outras acusações, o Kremlin exige provas, como fez esta quarta-feira a Washington, que recriminou o uso de bombas não-guiadas na cidade – uma prova irónica é a fotografia publicada pelo Ministério da Defesa russo e usada para ilustrar a notícia da agência Tass, de um dos seus caças a largar precisamente bombas não-guiadas.
Washington sob pressão
As negociações desta semana em Munique têm como grande objectivo fazer com que a reedição dos encontros entre oposição e regime marcados para dia 25 de Fevereiro não falhem redondamente como os de há uma semana, interrompidos pelo início da batalha em Alepo. Mas as posições mantêm-se: rebeldes no exílio recusam-se a negociar se os bombardeamentos prosseguirem; Moscovo e Damasco insistem em dizer que a ofensiva não vai parar.
Os Estados Unidos parecem dispostos a tolerar a iminente vitória do regime e aliados em Alepo, o que está a desmanchar o eixo ocidental. A Arábia Saudita insistiu esta quarta-feira pelo segundo dia consecutivo estar disposta a enviar tropas para o terreno se Washington também o fizer, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, disse novamente que a estratégia norte-americana é “ambígua” e o Presidente turco voltou à carga contra a Casa Branca por se ter recusado a classificar as milícias curdas sírias como terroristas – discute-se em Munique que grupos podem ser assim classificados.
Os aliados de Washington na região mostram-se cada vez mais inquietos com a reviravolta na guerra síria – o maior receio nos Estados Unidos é o de a Turquia decidir avançar com uma invasão por terra, o que colocaria um membro da NATO na linha de fogo russa. Em Alepo, para onde viajam cada vez mais grupos extremistas como, por exemplo, o satélite da Al-Qaeda na Síria, a Frente al-Nusra, os rebeldes pedem armamento para combater a frente unida de sírios, iranianos e russos.
“Se ele estiver disposto a salvar as nossas crianças, então é realmente altura de dizer ‘não’ a estes bombardeamentos”, disse à Reuters o porta-voz da HNC, a dita coligação moderada, apelando directamente a Barack Obama. Questionado sobre a possibilidade de estas armas virem a cair nas mãos de grupos extremistas – muitas facções moderadas juntaram-se a fundamentalistas islâmicos nos últimos anos, ao ponto de se tornarem quase irrelevantes –, Salim al-Muslat dá a sua palavra: “Garantimos realmente que elas não vão a nenhum lado: ficarão nas mãos de moderados sob o olhar dos nossos amigos, europeus ou americanos.”