Costa no arame das negociações até ao almoço com Merkel
Até sexta-feira o primeiro-ministro tem um vasto caderno de encargos: é preciso convencer Bruxelas sobre o orçamento, apaziguar PCP, BE e PEV em reuniões formais, terminar o documento a tempo do Conselho de Ministros.
A areia da ampulheta do Governo está a esgotar-se, embora o primeiro-ministro insista em passar a mensagem de que tudo está sereno. Pelo contrário, ao escolher falar às 10h30 de segunda-feira com uma declaração sem novidades e recheada de críticas ao esboço orçamental, o vice-presidente do PSD deu o mote daquilo que ameaça ser o resto de uma semana crucial: dias de fogo cruzado sobre António Costa a atravessar o desfiladeiro do orçamento, equilibrando-se num arame.
O primeiro-ministro há-de chegar ao lado de lá na sexta-feira, quando for almoçar com Angela Merkel a Berlim para falar de refugiados, mas em que o Orçamento de Estado será com certeza servido como sobremesa – ou não estivesse nessa altura o documento a chegar (ou prestes) às mãos do presidente da Assembleia da República. A constante comunicação com Bruxelas deixa antever que a última versão possa já estar conforme com as exigências europeias. Ao PÚBLICO, Costa disse que “o diálogo técnico decorre sereno e positivo” e insiste na mensagem de que tudo estará resolvido a tempo da aprovação do OE em Conselho de Ministros, na quinta-feira – o mesmo dia escolhido por Passos Coelho para anunciar a recandidatura a líder do PSD.
Até lá, no entanto, o caminho é longo e cheio de obstáculos, como se admite no Executivo, e além das negociações com Bruxelas há também o arranque de encontros formais com PCP, BE e PEV – depois destes terem participado em reuniões para preparar o orçamento, como admitiu Jerónimo de Sousa ao PÚBLICO há uma semana.
Para já, o PSD insiste em manter marcação cerrada, aproveitando as críticas do Conselho de Finanças Públicas e da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da passada semana. “O Governo está emparedado entre um acordo que estabeleceu à esquerda”, que “visou a conquista do poder a todo o custo”, e “as responsabilidades que terão de ser assumidas para manter o equilíbrio orçamental”, disse Marco António Costa na sede distrital do PSD/Porto, citado pela Lusa.
Classificando a negociação entre o Governo e a Comissão Europeia como “brincadeira de mau gosto”, o vice-presidente social-democrata disse que o esboço do OE “é um documento completamente morto na sua credibilidade técnica e política”. Marco António Costa exigiu mesmo saber que medidas o Governo “tem na manga para ultrapassar esta situação de impasse em torno do orçamento”.
O deputado socialista João Galamba apressou-se a negar que haja um impasse e pediu à oposição que não faça “claque contra os interesses” do país, tentando limitar a margem de manobra negocial do Governo. E mostrou que a argumentação usada por António Costa mas também Jerónimo de Sousa e Catarina Martins no debate quinzenal da passada sexta-feira começa a fazer lei: o que está em causa não é o valor do défice ou a credibilidade do orçamento mas “apenas o ajustamento estrutural que o Governo de PSD e CDS-PP mostrou ser incapaz de fazer” ao apresentar a Bruxelas “como estruturais e permanentes cortes de salários, pensões e sobretaxa sobre o IRS, que sempre disseram aos portugueses tratar-se de medidas excepcionais e temporárias”.
Portugal não pode ser exemplo?
No Governo português há uma explicação para a inesperada reacção de Bruxelas ao esboço do orçamento: a situação política em Espanha. No núcleo político de António Costa domina a convicção de que a força do Partido Popular Europeu (PPE) na Comissão Europeia está a ser exercida por forma a que não transpareça nenhuma ideia de cedência a um Governo apoiado por partidos de esquerda, precisamente para evitar que a Espanha, que vive um impasse após as eleições legislativas, opte por uma “solução à portuguesa”. Ou seja, para que em Madrid não tome posse um Governo PSOE, apoiado pelo Podemos, com uma semelhante retórica anti-austeridade.
Embora o discurso público do Governo procure desdramatizar a negociação com a Comissão, vários socialistas próximos do primeiro-ministro consideram que esta é a chave de leitura das “grandes diferenças” que Bruxelas, publicamente, aponta ao orçamento de Lisboa, face às expectativas europeias. O PPE é o partido europeu que integra o PSD e o CDS, e é a força dominante no Parlamento Europeu e na Comissão, onde tem 14 comissários, entre os quais o presidente Jean-Claude Juncker. O grupo europeu onde se integram os socialistas portugueses, o S&D, tem apenas oito comissários. Dos restantes, cinco são da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE) e um dos Conservadores e Reformistas Europeus (CRE).
BE, PCP e PEV já foram assertivos: o esboço respeita as linhas gerais estabelecidas nos acordos que assinaram com o PS a 10 de Novembro, em especial na recuperação de rendimentos, pensões e salários, defesa do Estado Social e recusa de novas privatizações. Ainda assim, tanto comunistas como bloquistas mantêm a pressão sobre Costa, não se coibindo de criticar o Governo por não ir tão longe quanto defendem. O PCP quer aumentar mais as pensões em 2016 e Jerónimo continua a meter o PS no mesmo saco da direita, dizendo que há políticas que estão a demorar a ser revertidas.
Se as linhas fundamentais do esboço não forem alteradas, os partidos da esquerda prometem deixar passar o documento. O problema é se Bruxelas impuser o corte de mil milhões de euros para um ajustamento estrutural do PIB de oito décimas. Jerónimo e Catarina estão de sobreaviso, recusam “medidas de compensação” e já falam de “chantagem” das instituições europeias e de PSD e CDS.