UTAO diz que Governo está a “melhorar artificialmente” o défice estrutural
Unidade Técnica de Apoio Orçamental discorda das contas apresentadas no esboço do OE para 2016.
O Governo está a registar como medidas extraordinárias cerca de 1900 milhões de euros de despesas e receitas que não têm essa característica, conseguindo dessa forma melhorar artificialmente o resultado obtido no défice estrutural. A acusação é feita esta quinta-feira pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República, calculando que, com a metodologia utilizada até agora, a variação do défice estrutural em 2016 seria não de uma redução de 0,2 pontos percentuais, como estimado pelo Governo, mas sim de um agravamento de 0,4 pontos.
Na análise ao Esboço do Orçamento do Estado entregue pelo Governo em Bruxelas, a UTAO indica, uma a uma, as medidas registadas como extraordinárias e temporárias. São oito medidas do lado da receita (sete das quais a fazem diminuir) e sete medidas do lado da despesa (cinco das quais a fazem subir). No total, o impacto total no défice ascende a 1923 milhões de euros, cerca de 1% do PIB.
Estão incluídas as reversões de medidas de austeridade como a redução da sobretaxa de IRS (430 milhões de euros), o desaparecimento do quociente familiar no IRS (150 milhões de euros), os efeitos da reforma do IRC (227 milhões de euros), a redução do IVA na restauração (175 milhões de euros), a reposição do valor dos cortes salariais na função pública (447 milhões de euros) e as transferências do fundo único de resolução (150 milhões de euros).
Se não há dúvidas de que estas medidas têm um efeito no défice público nominal, já em relação ao défice estrutural (aquele que é calculado descontando o efeito da conjuntura e das medidas extraordinárias) o impacto nas contas do Governo é nulo, uma vez que são classificadas como extraordinárias e temporárias.
Para a UTAO, esta classificação é incorrecta. “O exercício orçamental estrutural apresentado no Esboço do OE 2016 considera medidas one-off [extraordinárias e temporárias] que não se encontram em conformidade com o Código de Conduta para a implementação do Pacto de Estabilidade e Crescimento”, afirma o relatório da UTAO, assinalando que “a identificação indevida de medidas one-off de agravamento do défice orçamental, ou seja operações que aumentam despesas ou diminuem receitas, contribui para melhorar artificialmente o esforço orçamental”.
De acordo com as contas feitas pela UTAO, se o Governo tivesse utilizado a metodologia e não tivesse registado como extraordinárias a maioria daquelas 15 medidas, o défice estrutural estimado para 2016 apresentaria um agravamento de 0,4 pontos percentuais, um resultado bem pior do que a descida de 0,2 pontos que Esboço do OE estima.
Este é também um dos temas que dividem neste momento o Governo e a Comissão Europeia. Em Bruxelas, a opção do Governo de registar todas estas medidas como extraordinárias motivou a apresentação de questões às autoridades portuguesas, já que nos anos anteriores tal nunca foi feito. Do lado do Governo, a argumentação a utilizar neste debate baseia-se no facto de as medidas de austeridade que agora estão a ser revertidas terem sido apresentadas pelo anterior Governo como temporárias, não tendo assim um carácter estrutural. O que o Governo fez foi rever o valor das medidas extraordinárias e do défice estrutural também para os anos anteriores. Nos anos em que as medidas extraordinárias foram adoptadas, o défice estrutural sai penalizado. Pelo contrário, agora que as medidas são revertidas, este indicador sai beneficiado.