Ordem de batalha
1.A demissão de Christiane Taubira, ministra da Justiça, não chega a ser uma novidade. A sua permanência no Governo de Manuel Valls foi posta em causa praticamente desde os atentados de Paris e da linha dura adoptada pelo Presidente em matéria de combate ao terrorismo. Interna e externamente. Era a única presença que restava da ala mais à esquerda do Partido Socialista. A escolha de Manuel Valls, em Abril de 2014, para chefiar o Governo foi uma ruptura na condução da política económica e social da França, mais em linha com as exigências europeias e as reformas destinadas a melhorar a competitividade da economia francesa. Nessa altura, à excepção da carismática ministra da Justiça, os ministros alinhados com a facção de Arnaud Montebourg abandonaram o Governo. Taubira já não resistiu à ruptura em matéria de segurança. Se Valls foi a cartada para mudar a política económica, a saída da ministra é a forma de mostrar que não haverá duas linhas em matéria da segurança dos franceses. A medida mais polémica era sobre a perda da nacionalidade francesa de quem fosse acusado de terrorismo, no caso de ser portador de outra nacionalidade. Era mais emblemática do que eficaz (muitos dos jovens jihadistas já são apenas franceses ou apenas britânicos ou apenas belgas), mas punha em causa o princípio republicano da igualdade dos cidadãos perante a lei. No próprio dia da demissão de Taubira, Manuel Valls foi ao Parlamento dizer que a lei seria alterada de forma a ser aplicada a todos os franceses. A tensão entre segurança e liberdade é sempre difícil de gerir.
2.François Hollande quer um governo coeso e de combate para conduzir a sua estratégia de reeleição. A escolha de um primeiro-ministro claramente conotado com a ala mais à direita do PS, em termos económicos e sociais, mas também em matéria de segurança (foi ministro do Interior) faz parte do plano de batalha que o líder socialista traçou para garantir a passagem à segunda volta nas presidenciais da Primavera de 2017. Os atentados terroristas abriram-lhe essa possibilidade, quando resolveu reagir “à Bush”, declarando “guerra ao terror” e utilizando o poder militar da França para combater os terroristas do Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Colocou a segurança no topo da agenda do Eliseu e juntou as palavras aos actos, iniciando uma série de alterações legislativas, algumas delas polémicas, que reforçam os poderes das polícias e alargam o âmbito do estado de emergência. Era o Presidente mais impopular da V República. A sua popularidade cresceu, graças à forma como está a lidar com a ameaça terrorista. Está a fazer aos Republicanos aquilo que Nicolas Sarkozy fez, em 2007, à Frente Nacional, com um discurso mais radical destinado a roubar-lhe votos. Quer ser ele a enfrentar Le Pen na segunda volta. Também não pode descurar a outra frente de batalha, que será igualmente decisiva para a sua reeleição, que é o “estado de emergência económica e social” como escreve o Le Monde. Anunciou há meia dúzia de dias um “plano de urgência” contra o desemprego. Para isso, também conta com Manuel Valls, para estabelecer um equilíbrio difícil entre as reformas mais ousadas de Emmanuel Macron para liberalizar a economia e a preocupação dos franceses com o desemprego. Já não tem muito tempo para recolher resultados.
3.Há, no entanto, uma outra deriva, se quisermos chamar-lhe assim, que deve preocupar os seus parceiros europeus. O discurso de Hollande adquiriu um ligeiro tom soberanista no qual, por vezes, parece que a Europa não entra. Fala da França, a nação que sabe resistir a qualquer ameaça e da sua capacidade militar. Quase nunca fala da Europa, sem a qual qualquer decisão no campo da prevenção do terrorismo valerá de muito pouco. Entretanto, ignora a emergência criada pela crise dos refugiados, a maior preocupação de Angela Merkel. Um dia destes terá de acertar a sua agenda com a da chanceler alemã.