Saída de Taubira carimba linha dura de Hollande contra o terrorismo
Ministra da Justiça demitiu-se em protesto contra revisão constitucional que prevê retirar a dupla nacionalidade francesa a condenados por crimes e delitos terroristas. "Escolhi ser fiel a mim mesma", afirmou.
François Hollande abriu a porta e Christiane Taubira, a última representante da “esquerda da esquerda” no Governo francês, anunciou nesta terça-feira a sua demissão. A ministra da Justiça era a voz dos que se opõem à musculada revisão constitucional com que o executivo quer responder aos atentados em Paris e a sua saída culmina a inflexão à direita – no discurso, na economia e na segurança – iniciada pelo Presidente socialista há dois anos.
O jornal Le Monde escreveu que a demissão da ministra, de 63 anos, foi tantas vezes antecipada que a sua concretização acaba por ser uma surpresa. Sobretudo por ter sido anunciada pouco antes de o primeiro-ministro, Manuel Valls, ter apresentado no Parlamento a última versão da proposta de alteração constitucional que incide sobre dois pontos, ambos polémicos: a inclusão na Lei Fundamental das circunstâncias em que pode ser imposto o estado de emergência (actualmente em vigor, mas enquadrado apenas numa lei orgânica) e a cláusula para retirar a nacionalidade a cidadãos condenados por terrorismo.
Taubira, que se opõe sobretudo à segunda iniciativa, tinha já sido afastada da gestão do dossier. Mas a sua posição continuava a ser um embaraço, sobretudo num momento em que o executivo precisa “de uma ética colectiva e uma coerência forte”, recordou Hollande aos seus ministros na reunião semanal desta quarta-feira, citado pelo seu porta-voz.
Oficialmente foi a ministra da Justiça quem se demitiu, durante um encontro com Hollande e Valls, em que todos concordaram que seria melhor sair antes de a revisão constitucional começar a ser debatida na Assembleia Nacional, a 3 de Fevereiro. Fontes citadas pela AFP asseguram, contudo, que a sua partida começou a ser desenhada no final da semana passada, quando Hollande recebeu Taubira no Eliseu antes de partir para a Índia. “Foi a escolha da coerência e [a demissão] permite que se avance na reforma constitucional”, disse ao Le Figaro um conselheiro do executivo.
A Frente Nacional e os Republicanos não tardaram a aplaudir o afastamento daquela que consideram “a pior ministra da Justiça da Vª República” e a quem não pouparam acusações (de laxismo, de minar a autoridade do Estado), nem insultos – Taubira, natural da Guiana, é uma das poucas mulheres negras da política francesa e foi alvo de inúmeras tiradas racistas.
Numa conferência de imprensa pouco antes de entregar a pasta, Taubira defendeu o seu legado – a começar pela aprovação, em 2013, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, contra os protestos da direita e as manifestações encabeçadas pela Igreja Católica – e explicou que foi “um grande desacordo político” com a orientação do Governo que a levou a sair, depois de tantas vezes ter dito que queria continuar a ser a voz dissonante do executivo. “Escolhi ser fiel a mim mesma, aos meus compromissos, aos meus combates.”
De partida, repetiu o que tem dito desde que, a 16 de Novembro, o Presidente socialista anunciou no Congresso que a “França está em guerra” e iria responder com dureza inédita ao terrorismo que três dias antes tinha deixado 130 mortos nas ruas de Paris. “O perigo terrorista que nos ameaça é grave, mas sabemos como combatê-lo. Não devemos conceder-lhe qualquer vitória, nem militar, nem diplomática, nem simbólica”, disse a agora ex-ministra.
Com a partida de Taubira torna-se quase hegemónica a linha de Valls, da ala mais à direita do Partido Socialista, que Hollande chamou em 2014 para chefiar o governo e com quem tem vindo progressivamente a alinhar-se. O novo ministro da Justiça, o até agora presidente da comissão de leis Jean-Jacques Urvoas, é como o primeiro-ministro um defensor de mão pesada na resposta ao terrorismo, tendo sido relator da dura lei de espionagem aprovada em Maio.
Mas a ministra, que silenciou as críticas a esta aproximação ao centro, era também “uma espécie de álibi do governo para tranquilizar o eleitorado de esquerda descontente com a viragem securitária”, escreveu o Le Monde em Dezembro, a última vez que a sua demissão esteve iminente. Ela garantira que a revisão constitucional não iria incluir a retirada de nacionalidade, o Eliseu veio prontamente desmenti-la.
Apoiado nas sondagens que mostram o apoio da população a uma resposta inflexível ao terrorismo e temendo as acusações de laxismo dos seus rivais de direita às presidenciais de 2017, Hollande mostra-se pouco disposto a contemplações. Já anunciou a intenção de prolongar por mais três meses o estado de emergência – a declaração inicial expira a 26 de Fevereiro e o Conselho de Estado, a mais alta instância administrativa do país, recusou nesta quarta-feira uma petição que exigia a sua cessação imediata.
E o primeiro-ministro Valls assegurou, durante a audição na comissão de leis da Assembleia Nacional, que a proposta para retirar a nacionalidade aos condenados por crimes e delitos terroristas não faz qualquer menção aos cidadãos binacionais – pressuposto que Taubira dizia ter um pesado valor simbólico, por discriminar os nascidos em França de origem estrangeira em relação aos “franceses de puro-sangue”. Valls adiantou, no entanto, que Paris vai ratificar a convenção de 1954 que proíbe a criação de apátridas, o que na prática impossibilita que a punição seja adoptada contra os que têm unicamente passaporte francês.