Kim Jong-il quis passar o poder a um comité, não ao filho, revela um novo livro
O antigo chefe dos espiões da Coreia do Sul escreveu uma obra a explicar a luta pelo poder em Pyongyang e a lembrar Jang Song-thaek, que era tio do novo líder e foi executado.
Kim Jong-il, o antigo líder da Coreia do Norte, quis acabar com o sistema de governo hereditário no país, passando o poder para um comité de dez notáveis, diz um antigo espião e embaixador sul-coreano num novo livro.
Segundo Ra Jong-yil, que chefiou o serviço de espionagem da Coreia do Sul e foi embaixador do país no Japão e em Londres - está agora associado à Faculdade de Estudos Asiáticos da Universidade de Cambridge -, Kim Jong-il, que herdou o poder do pai, Kim Il-sung, não conseguiu pôr a ideia em prática porque a teve quando já estava doente, tendo morrido subitamente. Além disso, essa possibilidade abriu de imediato uma guerra interna entre os que poderiam ascender ao comité.
O antigo chefe dos espiões de Seul disse que para escrever o livro falou com muitas fontes, que mantém anónimas por motivos de segurança. Entrevistou desertores norte-coreanos (alguns eram altos funcionários do regime), pessoas ainda ligadas aos serviços secretos e, através de intermediários, membros influentes da Coreia do Norte que ainda estão em Pyongyang.
"Mesmo quando Kim Jong-il ainda estava de boa saúde, alguns dos que lhe eram mais próximos sugeriram que escolhesse um dos seus filhos como sucessor, mas pelo menos em duas ocasiões ele rejeitou imediatamente essa ideia", disse Ra numa entrevista ao Telegraph.
Exlica este jornal britânico que o livro que Ra publica na semana que vem, The Path Taken by Jang Song-thaek: A Rebellious Outsider, se centra na vida do tio do actual líder norte-coreano. Jang Song-thaek foi o principal apoio e conselheiro de Kim Jong-un nos primeiros meses de governação, após a morte do pai, em Dezembro de 2011.
Jang foi acusado de "perturbar a unidade e coesão do partido" único no poder e de ter "recrutado para o seu campo os fracos e sem fé" e executado em Dezembro de 2013 - num discurso público, o sobrinho chamou-lhe "imundo faccioso" e acusou-o de pertencer a uma "facção anti-revolucionária". No livro, Ra defende que foi executado pois era uma voz crítica quanto aos métodos de governação do sobrinho e ao sistema de poder absoluto, tendo por isso Kim passado a olhá-lo como uma ameaça.
"Ele não teve tempo ou oportunidade de dar qualquer explicação e a sua morte não foi uma execução, foi um assassínio cometido por um poder político que não é controlado", disse ao Telegraph o antigo-espião, acrescentando que escreveu o livro para "dar voz a um homem morto". Jang Song-thaek, explicou, não se apercebeu do que lhe estava a acontecer pois acreditava pertencer ao grupo dos "intocáveis".
Ra explicou que Kim Jong-il considerava que a "solução mais racional" para a Coreia do Norte era criar um comité de "dez homens fortes", tornando-se os Kim numa referência nacional, numa família símbolo, para "honrar e respeitar", mas "não para governar o país no dia-a-dia".
A proposta tornou-se imediatamente uma fonte de problemas pois gerou cobiça, além de que "aqueles que poderiam fazer parte desse comité não confiavam uns nos outros". Kim Jong-un, que tinha 27 anos quando o pai morreu e já tinha apoiantes em Pyongyang, também não gostou da ideia e deu luta, juntamente com a elite que defendia a continuação da ditadura hereditária, defendendo o que considerou ser um direito de nascença.