Kim Jong-un diz que o tio que mandou matar era um “faccioso imundo”
Na mensagem de Ano Novo, o líder norte-coreano disse que é preciso melhorar as relações com a Coreia do Sul.
“O nosso partido adoptou medidas firmes para se livrar dos facciosos imundos infiltrados”, disse Kim na televisão. “Ao purgarmos os que eram contra o partido e a facção anti-revolucionária, a nossa unidade saiu reforçada, e o partido e as orientações revolucionárias ficaram mais sólidas.”
As palavras de Kim permitem que se comece a perceber o que levou à execução, em Dezembro, de Jang Song Thaek, que era o seu braço direito desde que sucedeu ao pai, Kim Jong-il; este morreu em Dezembro de 2011. Kim Jong-un — o terceiro da família a governar a Coreia do Norte, Kim Il-sung foi o primeiro — não mencionou o nome do tio, cujo julgamento foi inédito por ter sido divulgado publicamente.
Em Dezembro, os analistas escreveram que Jang Song Thaek era o único homem que poderia ameaçar o poder de Kim, estando a ganhar revelo ao ser o negociador do programa económico com que Pyongyang tenta abrir um caminho para fora da profunda crise em que o país vive. Casado com uma irmã de Kim Jong-il, Jang começou a ser referido, em alguns sectores (e nos media) como um reformador. Era o protagonista do diálogo com Pequim e após a sua execução todos os “homens de negócios” norte-coreanos que estavam em trabalho na China foram mandados regressar a casa.
Jang foi acusado de uma série de crimes, entre eles o de estar a conspirar para dar um golpe anti-revolucionário e de corrupção. No julgamento foi dito que era “escumalha humana”, viciado em drogas e de ter um estilo de vida “decadente” à custa do erário público.
Depois da execução, ou durante o processo de Jang, outros altos funcionários que eram seus próximos foram detidos, noticiou em Dezembro o South China Morning Post.
Ao executá-lo, Kim, como deixou claro no discurso, cortou o caminho à facção reformista (ainda que muito moderada) e explicou o que acontecerá a qualquer outra que surja no seu caminho ou a qualquer desvio revolucionário. A espionagem de Seul (Coreia do Sul) fez ainda saber que além da guerra pela influência política, travava-se outra em Pyongyang pelo controlo do muito lucrativo negócio do carvão, que estava nas mãos do tio do líder.
O discurso de Ano Novo era uma tradição de Kim Il-sung e nele os observadores tentavam descobrir pistas sobre as opções norte-coreanas. A tradição foi quebrada pelo pai do actual líder, mas este recuperou-a quando herdou o país. O Wall Street Journal pediu a um especialista em península coreana, Chang Yong-seok, do Instituto para a Paz e Unificação da Universidade de Seul, que descodificasse este discurso de 25 minutos e quatro mil palavras. Chang disse que ficou claro que foi um discurso marcado pelo conservadorismo, ou seja não se deve esperar qualquer mudança ou abertura no regime do Norte. “Parece dizer que tudo se fará à moda antiga”, disse o especialista sublinhando o reforço do sistema centralizado, incluindo na área da economia.
“Devemos intensificar a educação ideológica entre os funcionários, membros do Partido [dos Trabalhadores], operários e povo para garantirmos que pensam e agem em todos os momentos e onde quer que estejam de acordo com as ideias e orientações do partido”, disse Kim.
Falar em código
Na continuação do discurso de Ano Novo, Kim defendeu o melhoramento das relações com a Coreia do Sul. Não fez um apelo directo ao diálogo, advertiu antes que outra guerra na península causará “um desastre nuclear em massa que atingirá os Estados Unidos”. “Chegou o momento de acabar com as agressões e as difamações que só servem para fazer mal”, disse.
Robert Carlin, do instituto coreano da universidade americana John Hopkins, disse ao jornal The Guardian que muitas vezes, nos últimos 30 ou 40 anos, o diálogo entre o Norte e o Sul foi retomado depois de discursos em que foram usadas as mesmas palavras — “agressões” e “difamações”. “Ao falar no assunto Kim parece estar a dizer que está preparado para dar início a alguma coisa em concreto, ainda que modesta, que comece a abrir a porta”, explicou Carlin.
“Tentaremos melhorar os laços Norte-Sul”, disse o líder norte-coreano, acrescentando que “as nuvens negras da guerra nuclear pairam constantemente sobre a Península Coreana”. Também acusou a Coreia do Norte e os Estados Unidos de serem países “belicistas” que trabalham “freneticamente” para levar armas nucleares para a península. Disse que as capacidades de defesa do Norte têm que ser reforçadas pois, neste contexto, a “dignidade” da Coreia do Norte e a “felicidade” do povo dependem “do cano de uma espingarda”.
Obras grandes
A mensagem de Ano Novo de Kim Jong-un, transmitida nesta quarta-feira, terá sido gravada previamente. O líder, de acordo com os media norte-coreanos, passou o ano na estância de esqui de Masik, um dos megaprojectos de construção que pôs em marcha em todo o país e que foi oficialmente inaugurado.
Após a execução de Jang Song Thaek, uma fonte norta-coreana fez saber, junto dos media ocidentais e chineses, que o programa económico iria prosseguir. O plano prevê acordos comerciais com a China e a continuação das zonas económicas especiais que já existiam e que não deram os frutos de abertura esperados no Ocidente e na China.
Dos megaprojectos de construção em curso constam blocos de apartamentos e outras estruturas públicas e de lazer, a maior parte delas financiadas por Pequim. “Este ano abre-se uma era de prosperidade na área da construção — disse Kim —, a construção é uma linha da frente muito importante para o fortalecimento da nação e para a felicidade do povo”.