CDS apresenta projecto-de-lei para que pais possam assistir a cesarianas
Proposta visa clarificar lei que permite presença dos pais e, ao mesmo tempo, abre porta à proibição de assistirem aos partos. Médicos estão divididos. Obstetra Luís Graça acha que isto não passa de "uma patetice".
Uma petição que pretende pôr fim à forma de “iniquidade” que é a impossibilidade de os pais verem os seus filhos nascer, em caso de cesariana, na maior parte dos hospitais públicos - ao contrário do que sucede em quase todos os privados - chegou esta semana à Assembleia da República, onde está a aguardar votação final.
Acompanhando os objectivos da petição, o CDS-PP apresentou entretanto um projecto-de-lei em que propõe uma “clarificação” da lei actual - que permite o acompanhamento dos pais mas simultaneamente prevê a possibilidade de proibição da sua presença, se os responsáveis dos hospitais e os médicos assim o entenderem. Mais de um quarto dos partos nos hospitais públicos são feitos por cesariana.
O projecto-de-lei do CDS-PP propõe que as regras para o exercício de acompanhamento, quando o parto decorra em bloco operatório, sejam fixadas por portaria do ministro da Saúde, em vez “da própria Lei”, de forma a que não haja “interpretações erróneas” e “não se verifiquem mais casos no SNS [Serviço Nacional de Saúde] de parturientes impedidas de acompanhamento durante o trabalho de parto, em caso de cesarianas programadas e sem risco acrescido”.
O direito de acompanhamento está previsto na lei mas ainda não é possível na maioria dos hospitais públicos, onde os profissionais de saúde habitualmente justificam a recusa com o argumento de que a presença do pai (ou outra pessoa escolhida pela parturiente) no bloco aumenta o risco de infecção.
Faz todo o sentido ou é um disparate?
Os médicos dividem-se em relação a este direito. Há quem defenda que faz todo o sentido, como a médica Isabel Galriça Neto, do CDS-PP, e quem advogue que é “um disparate”, como o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, Luís Graça.
Foi uma mulher que estava grávida do terceiro filho que decidiu pôr a circular online, no início deste ano, uma petição que obteve mais de quatro mil assinaturas e acabou assim por chegar ao ao Parlamento. Mónica Barbosa, formadora de desenvolvimento pessoal, justificava então o movimento que pôs em marcha sublinhando que não se conformava por não poder ter o marido ao seu lado nesse momento “inolvidável”.
Com a ajuda de uma médica e uma enfermeira, redigiu a petição em que contesta o facto de “apenas três hospitais públicos permitirem a presença de acompanhante, quando os hospitais privados aceitam a presença dos pais, sem problemas”. Para os pais, defende, “participar nos primeiros cuidados ao recém-nascido, pegar-lhe ao colo, assistir à primeira mamada” são “experiências imperdíveis e marcantes”. A proibição não se compreende, acrescenta, porque, para assistir ao parto, “o pai só tem que pôr touca, bata e protecção nos sapatos, nem sequer vê nada”.
Mónica também não consegue entender por que razão é que os mesmos médicos que fazem partos no público e no privado permitem a presença dos pais nuns casos e a proíbem noutros. Em situações de parto vaginal, os serviços de obstetrícia dos hospitais autorizam que o pai ou outro acompanhante possa estar presente, seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde, sustenta.
O certo é que a legislação actual é dúbia. Ao congregar a legislação dispersa sobre o direito de acompanhamento nos hospitais, a Lei 15/2014, de 21 de Março, estipula que o direito de acompanhamento “pode ser exercido independentemente do período do dia ou da noite em que o trabalho de parto ocorrer”. Mas simultaneamente as disposições legais abrem a porta à proibição ao ressalvar que este direito pode ser vedado na unidades “onde as instalações não sejam consentâneas com a presença do acompanhante”. Acresce que a maior parte dos responsáveis ou profissionais de saúde costuma alegar que, como as cesarianas são cirurgias realizadas em blocos operatórios, há risco acrescido de infecção.
É este o argumento principal que justifica a proibição da presença de mais um elemento no bloco operatório, argumenta Luís Graça, que dirige o serviço de obstetrícia do hospital de Santa Maria (Lisboa), e simultaneamente o de uma unidade privada, o hospital do SAMS. Também aqui, frisa, não deixa que os pais entrem no bloco. “Ficam do outro lado do vidro [que separa a sala de operações da sala de reanimação]”, explica Luís Graça, para quem esta petição não passa de “uma patetice”. “Isto não é bom como norma. A cesariana é uma cirurgia, é como tirar um apêndice. E quanto mais pessoas estiverem no bloco, maior é o risco de infecção hospitalar”, acentua.
Isabel Galriça Neto discorda e pergunta: “Então os privados não se importam com a infecção?”. Permitir a presença do pai não significa, esclarece, que “vá a família toda assistir ou que entre um batalão no bloco”. “Só agora é que se lembram do risco de infecção?”, questiona ainda, enquanto defende que o direito de acompanhamento “é uma conquista”. No projecto-de-lei, os deputados do CDS-PP alegam que o artigo que permite proibir a presença do pai decorre da transcrição de uma lei com três décadas e que a realidade mudou muito entretanto.
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