Coreia do Norte anuncia ter detonado a sua primeira bomba de hidrogénio
Regime anuncia avanço importante na sua força nuclear, mas notícia é recebida com cepticismo. Detectado sismo artificial comparável ao de teste passado com bomba nuclear convencional.
A Coreia do Norte anunciou ter detonado a sua primeira bomba de hidrogénio, uma versão significativamente mais poderosa de uma bomba nuclear. A notícia foi avançada durante a madrugada pelos canais oficiais do regime e não foi ainda confirmada por observadores independentes, que, no entanto, detectaram um sismo artificial de 5,1 pontos na escala de Richter perto de uma conhecida zona de testes nucleares do regime.
O teste, que a emissora estatal garante ter sido “um sucesso completo”, foi executado por volta das 10h locais – primeiras horas da madrugada em Portugal. A comunidade internacional responde com condenações assertivas, embora existam dúvidas sobre se a explosão subterrânea detectada nas instalações de Punggye-ri, na costa leste do país, tenha vindo realmente de uma bomba de hidrogénio, como diz o regime.
Pensava-se até agora que o regime norte-coreano estava ainda longe de chegar à tecnologia necessária para produzir uma bomba de hidrogénio, mais sofisticada e potente do que um míssil nuclear tradicional. Uma bomba desta natureza tem dois tipos diferentes de explosão: uma por fissão e outra por fusão. A confirmar-se, este será o quarto teste nuclear executado pelo regime e o primeiro desde 2013. As explosões anteriores, embora nucleares, tiveram uma intensidade relativamente baixa.
Uma avaliação externa do teste desta quarta-feira pode demorar dias, ou até semanas, mas os observadores internacionais mostram-se para já cépticos. O exercício causou um sismo de intensidade semelhante ao último teste nuclear subterrâneo – também de 5,1 –, o que parece indicar a explosão de uma nova bomba tradicional, ou então, a de um engenho de hidrogénio que falhou.
"Julgando pelo impacto, existe a possibilidade de que as afirmações da Coreia do Norte sobre ter feito um teste com uma bomba de hidrogénio não sejam exactas", afirmou o deputado sul-coreano Lee Cheol à agência de notícias do país, a Yonhap, referindo-se aos primeiros dados recolhidos por agências de informação. O exército sul-coreano é da mesma opinião, de acordo com a agência.
Censura internacional
O Japão anunciou que, por enquanto, não conseguiu detectar rastos de radiação no exercício desta quarta-feira. O primeiro-ministro, Shinzo Abe, até agora uma das vozes mais severas entre as várias condenações ao aparente teste atómico, afirmou no Parlamento: "O exercício nuclear conduzido pela Coreia do Norte é uma séria ameaça à nossa nação e não podemos de modo algum tolerá-lo."
No momento de comunicar a detonação, o regime disse que o teste é unicamente defensivo e tem apenas os Estados Unidos em mente. “É uma medida de autodefesa necessária para defendermos o nosso direito a viver face a ameaças nucleares e chantagens vindas dos Estados Unidos”, declarou a apresentadora na emissora estatal. Washington condenou o exercício, prometeu defender os seus aliados e, como os outros países, disse que não é ainda capaz de avaliar a explosão norte-coreana.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas convocou uma reunião extraordinária para o meio da tarde desta quarta-feira. A China, a grande aliada do regime norte-coreano, afirmou estar "firmemente contra" o teste, do qual, assegura, nada sabia. Pequim é muitas vezes o único canal diplomático para o Ocidente chegar aos líderes em Pyongyang, defende o seu desarmamento nuclear e, apesar das ajudas continuadas ao regime, assentiu no passado a sanções pelos exercícios do aliado.
"Apelamos com firmeza a que a República Popular Democrática da Coreia continue dedicada ao seu compromisso de desarmamento nuclear e pare de empreender acções que piorem a situação", afirmou a porta-voz do Ministério da Defesa chinês, Hua Chunying.
Kim Jong-un adoptou uma estratégia nuclear diferente e mais agressiva do que a de seu pai, que, nos seus últimos anos de governo, aceitou restrições internacionais aos programas nuclear e de balística a troco de ajudas externas. O regime desafiou ordens das Nações Unidas ao fazer o terceiro teste de uma bomba atómica, em 2013, e, só no último ano, pôs em funcionamento um reactor nuclear desactivado e anunciou ter conseguido lançar o seu primeiro míssil a partir de um submarino.
Parte do poder que Pyongyang diz ter é exagerado pelo regime. Apesar das repetidas tentativas nos últimos anos em se assumir como uma potência nuclear, o país parece estar ainda distante de conseguir disparar um míssil com uma ogiva desta natureza. O exercício em que disparou um míssil de submarino é também visto como uma fraude. Em todo o caso, ocorrências como a detonação desta quarta-feira são provas de que o país está pouco disposto a ouvir alertas da comunidade internacional.
Reforçar sanções
As negociações para o desarmamento nuclear da Coreia do Norte acabaram em Abril de 2012, já com Kim Jong-un no poder. O regime tentou então lançar um satélite para o espaço, algo que as Nações Unidas viram como uma forma encapotada de fazer experiências a sistemas balísticos de longo alcance. O regime está proibido de o fazer desde 2006, momento da sua primeira detonação nuclear – a segunda aconteceu em 2009 e provocou o agravamento das sanções.
Sempre que o regime norte-coreano violou as regras internacionais, o Conselho de Segurança das Nações Unidas respondeu-lhe com penas mais severas. Sempre com a anuência da China, a sua grande aliada. Não há razões para crer que no encontro desta quarta-feira aconteça algo de diferente. O vizinho a sul, e o alvo mais susceptível, já aludiu a este caminho.
“[O teste] é uma provocação grave para a nossa segurança, ameaçando a sobrevivência e o futuro da nossa nação e desafiando ainda mais a paz e estabilidade do mundo”, disse a Presidente sul-coreana, Geun-hye. “O Governo, colaborando estreitamente com a comunidade internacional, deve fazer com que a Coreia do Norte pague sem falta o preço do seu último teste nuclear”, acrescentou, pedindo “sanções fortes” e “medidas resolutas” das Nações Unidas e aliados ocidentais.
Andrei Lankov, investigador especializado na Coreia do Norte, antecipa no Guardian que prosseguir no caminho das sanções ao regime continuará a fazer pouco para interferir no programa nuclear: “Mesmo que as sanções tenham impacto na economia norte-coreana – que depende excepcionalmente pouco do comércio estrangeiro –, as únicas vítimas serão apenas os norte-coreanos comuns.”
Na óptica dos líderes em Pyongyang, o importante é preservar o seu arsenal para evitar qualquer hipótese de intervenção militar externa. “Eles viram o que aconteceu no Iraque e Líbia e estão determinados em impedir qualquer possibilidade de uma incursão militar ”, escreve o académico russo. “Claro que a liderança de topo pode perder o champanhe, mas, na sua perspectiva, isso é um pequeno preço a pagar para fugirem aos destinos de Muammar Khadafi e Saddam Hussein."