Marlon James: este Booker pode não chegar a Portugal
Até agora o vencedor do Man Booker Prize não tem editor em Portugal e pode vir a não ser editado em 2016. Longo, de um autor desconhecido, ganhador de um prémio que está a perder o prestígio, teria uma tradução cara e difícil de ser capaz de passar a música e a violência da gíria jamaicana.
O vencedor do Man Booker Prize de 2015, A Brief History of Seven Killings, do jamaicano Marlon James, 45 anos, não tem ainda editor em Portugal. A dimensão do livro, o tema, a dificuldade de tradução, o facto de ser um desconhecido por cá e a suspeita quase geral em relação aos critérios na base da eleição de uma obra na maioria dos prémios literários, onde a qualidade da escrita parece nem sempre ser o factor decisivo, e o consequente pouco entusiamo do mercado nacional face a alguns dos títulos que ganharam nos últimos anos estão entre as razões mais apontadas pelos editores portugueses para não lutarem pela compra dos direitos do romance de Marlon James.
O prémio foi atribuído no dia 13 de Outubro ao melhor romance escrito em língua inglesa publicado no Reino Unido no ano de 2014. No calendário literário, o Booker é conhecido quase sempre uma semana depois do anúncio do Nobel e, por essa altura, a cada ano, o vencedor ou já se encontra publicado em Portugal ou há uma corrida imediata aos direitos para colocar rapidamente a obra no mercado. Este ano isso não aconteceu e até agora não há garantia de que A Brief History of Seven Killings venha a ter um editor português. “É um romance muito extenso que exige uma tradução que além de delicada, será demorada. Uns quatro, cinco meses, o que atira a publicação para uma data onde já se perdeu o efeito do Booker. Isso pesa quando o editor não pode comprar todos os títulos que gostaria de publicar e tem de decidir entre três ou quatro”, refere Francisco Vale, que está justamente na hora de fechar a decisão sobre os livros que irá publicar na Relógio d´Água no próximo semestre e entre os quais ainda considera incluir o de Marlon James. “Se isso acontecer, deverá estar no mercado até Junho”, avança.
Guilherme Pires, que este ano lançou a editora Elsinore, também está interessado na obra que se inspirou nos sete homens que tentaram assassinar o cantor Bob Marley em 1976. A questão da “intraduzibilidade”, apontada por alguns, não será o motivo que poderá fazer recuar a Elsinore. “Gostamos de aceitar riscos”, afirma Guilherme Pires, adiantado que a qualidade é a principal motivação no caso de avançar com uma proposta, mas que isso ainda não foi decidido porque há outros títulos a avaliar.
A Brief History of Seven Killings não era apontado como o favorito entre os finalistas do Booker. A Little Life, da norte-americana Hanya Yanagihara, surgia como candidato mais forte. É uma narrativa negra, dramática, sobre o feito do trauma e o papel da memória no decorrer de uma vida. Como o livro de Marlon James, é um romance longo, cerca de 700 páginas, centradas num protagonista, Jude, e a respeitar uma estrutura clássica. A Brief History… é um romance polifónico narrado como uma história oral, com vozes distintas a interporem-se. Há Bob Marley a falar depois de morto, há polícias, traficantes, assassinos, gente da rua reproduzindo a gíria jamaicana, um inglês difícil de entender mesmo por quem tem o inglês como língua nativa, numa escrita que tenta reflectir o sotaque, a música, as corruptelas linguísticas, sublinhando a riqueza e a violência que aquela fala sugere. E há um capítulo em calão. Um editor que pede para não ser citado recusa, no entanto, a ideia de intraduzibilidade da obra. “Se Faulkner foi traduzido e se tonou universal…”
O facto é que o livro de Marlon James não foi escrito a pensar na sua traduzibilidade, se quisermos aplicar aqui a tese desenvolvida por Rebecca L. Walkowitz em Born Translated, The Contemporary Novel in an Age of World Literature (Columbia University Press, 2015), segundo a qual a universalidade – leia-se aceitação global - de alguns romances contemporâneos deve-se à sua “traduzibilidade” e que muitas vezes essa ideia de “traduzibilidade” está logo presente no processo da sua escrita. Ou seja, são concebidas a pensar na exportação para outras línguas. Há livros, escreve Walkovitz, “que começam como literatura mundial”, em lançamento simultâneo e em várias línguas ao mesmo tempo que na original. Isso tem a ver com a velocidade de circulação das obras, com os meios em que são disponibilizadas, mas também com o processo criativo que tenta adaptar-se à velocidade da mudança, como "se nascessem digitais”.
Com A Brief History of Seven Killings Marlon James decidiu correr vários riscos e um deles foi ser considerado intraduzível, até na sua língua. Mas ao vencer o Booker muitos editores mundiais decidiram correr, também eles, o risco, mesmo sabendo que a essência da obra pode ser comprometida. “Essa será a função de uma boa tradução”, manter o espírito do original na língua para a qual ele é passado, sublinha Francisco Vale.
Até agora, o livro foi vendido para 16 países, incluindo o Brasil, onde será publicado pela Intrínseca, que edita Geoff Dyer ou Annie Proulx. Sem adiantar pormenores, a editora confirmou ao Ípsilon ter “adquirido recentemente a obra devido à sua alta qualidade literária” e que estão a ser “bastante criteriosos em encontrar um tradutor à altura, capaz de vencer os desafios impostos pelas dificuldades na transposição entre as línguas”.
Carmen Serrano, responsável editorial da Teorema, também se refere ao livro como muito difícil de traduzir, mas esse, no entanto, não foi o critério decisivo para não ter avançado com oferta de compra. “Não me apaixonei pelo livro”, afirma. Se tal tivesse acontecido, teria de pesar dificuldades e custos de uma tradução e isso poderia ter de fazê-la abandonar a “paixão”. Mas recorde-se que este ano publicou o primeiro romance da haitiana Roxane Gay, Um Estado Selvagem. Ainda que não tenha o mesmo nível de dialecto do livro de Marlon James, também se passa num universo violento, desta vez de Port-au-Prince, a capital do Haiti, com recurso a gíria de rua, entre criminosos.
O que se discute quando se discute a ausência do Booker de Marlon James não é tanto a qualidade da obra, mas aspectos mais cínicos que se prendem com as características que comandam o mercado literário. Estamos perante um fenómeno pop mas que pode não ser suficientemente atractivo para os leitores portugueses. O fascínio dos norte-americanos pelo exotismo literário de África e das Caraíbas - onde o livro de James se pode situar – “não encontra o mesmo eco em Portugal”, diz Clara Capitão, da Alfaguara, que se tivesse de optar por um livro entre os finalistas do Booker teria escolhido The Fishermen, do nigeriano Chigozie Obioma, e Isabel Castro Silva, da Ítaca, A Little Life. Depois há os custos de uma tradução que pode tornar pouco rentável – ou mesmo um desaire. E subsiste uma incógnita: como será a sua tradução para outras línguas? Aqui, Guilherme Pires, avance ou não para os direitos do livro, arrisca dizer que chegará a Portugal. “Pode não ser para o ano”. Essa chegada será influenciada pelo comportamento do livro no mercado global. E a “experiência da sua tradução noutras línguas pode servir de exemplo”, funcionar como uma espécie de guia para futuras traduções.