UE recusa ceder em “princípios fundamentais” para manter Londres
Sondagem dá maioria aos britânicos que apoiam saída da União, o que aumenta a pressão sobre David Cameron.
O número de britânicos que defende a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) já é superior aos que querem ficar. Numa sondagem que o jornal The Telegraph publicou ontem, 47% dos 20 mil inquiridos disseram ser a favor do Brexit e 38% contra; há 14% de indecisos.
Estes resultados são um revés para o primeiro-ministro, David Cameron, que vai aproveitar a cimeira de Bruxelas para renegociar a participação do seu país na União. Na agenda do encontro que hoje termina estão ainda a crise de refugiados e a luta ao terrorismo, com o debate de medidas que visam aumentar o controlo das fronteiras externas da União.
À chegada a Bruxelas, ontem, o líder britânico afirmou-se pronto a “lutar” por um bom acordo, mas vários parceiros consideram “inaceitáveis” algumas das suas exigências. A chanceler alemã, Angela Merkel, recusa “renunciar aos princípios da UE para manter Londres na União”, disse antes do arranque do encontro. O Presidente francês, François Hollande, declarou igualmente que “é inaceitável rever a base dos compromissos europeus”.
Cameron está há meses a promover uma reforma na Europa e uma agenda que favoreça o Reino Unido, tendo-se comprometido com os eleitores a fazer um referendo sobre a continuação do país na União. No topo da sua agenda está um compromisso que alivie a pressão da imigração no Reino Unido, propondo uma redução substancial das ajudas públicas (dos programas sociais) aos imigrantes, sejam eles de fora ou de dentro da UE. A ideia é criar uma moratória de quatro anos até que os imigrantes possam ter direito a pedir apoios.
“Queremos um acordo equilibrado com o Reino Unido, mas isso deve funcionar para os outros 27” Estados-membros, avisou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
O plano de Cameron esbarra na vontade da maior parte dos líderes da UE, incluindo o português António Costa, que o considera discriminatório, em especial no ponto mais controverso de limitar os direitos dos cidadãos. As propostas de Cameron não se adequam aos tratados, apesar de o primeiro-ministro britânico dizer que quer fazer mudanças sem mexer neles.
Já em Bruxelas, o primeiro-ministro português disse que “seria absolutamente inaceitável que trabalhadores tivessem um tratamento discriminatório por serem estrangeiros ou residirem há menos tempo”, e lembrou que o que está em causa é a “liberdade fundamental de circulação”.
Uma possibilidade que tem sido comentada é que Londres crie uma moratória não para imigrantes mas para todos os trabalhadores — os jovens que entram no mercado laboral ou os que regressam ao país depois de anos no estrangeiro. Mas a opção é polémica e o Governo britânico é mais favorável a que seja Bruxelas a apresentar uma contraproposta.
“Pusemos as nossas exigências na mesa e ouvimos as reacções preocupadas dos nossos parceiros europeus. Mas, até agora, não recebemos contrapropostas, não recebemos uma sugestão alternativa que tenha o mesmo efeito”, disse esta semana o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Philip Hammond.
Entre as outras propostas do primeiro-ministro britânico está a salvaguarda dos interesses dos países que não aderiram à moeda única (Bruxelas quer caminhar para uma maior integração na zona euro), o alargamento do mercado livre (reduzindo os regulamentos) e um travão na cada vez maior integração (deixando aos governos autonomia em muitas matérias).
Fontes do Governo disseram ao The Telegraph que não esperavam avanços nesta cimeira. Mas referiam que Cameron chegou a Bruxelas decidido a seguir o exemplo de Margaret Thatcher, que em 1984 conseguiu aprovar uma série de condições especiais para o Reino Unido.
Tudo ou nada
Se o plano inicial de Cameron era arrancar compromissos de fundo, a sua agenda está, agora, mais modesta. Ainda assim, dizem os observadores, chegar a um consenso será muito difícil — por isso, alguns analistas escreveram que nesta cimeira Cameron começa um período de “tudo ou nada” (Le Monde).
O primeiro-ministro (que é favorável à permanência; o Partido Conservador tem uma forte ala eurocéptica) chegou a considerar realizar a consulta sobre a permanência já em 2016, quando esperava fechar as negociações com Bruxelas em Fevereiro. Esse prazo é irreal e, disseram as fontes do The Telegraph, as conversações deverão prolongar-se até Abril.
A sondagem agora divulgada, realizada pelo instituto de Lord Ashcroft, diz que os cidadãos votarão pela saída da UE se Cameron não conseguir convencer a opinião pública de que conseguiu resultados muito favoráveis nas suas negociações com Bruxelas. O estudo de opinião também mostra que 35% dos eleitores podem considerar votar a favor da permanência se Cameron conseguir bons resultados.
“Os eleitores conservadores têm a chave do resultado do referendo”, disse Lord Ashcroft, comentando a sondagem. “Mais de metade dos que votaram nos conservadores [nas legislativas] de Maio estão do lado da ‘saída’ e, neste momento, consideram que ‘ficar’ representa um risco maior” para o país. “Mas se [Cameron vencer as negociações] poderão responder de outra maneira”.