Descontos e inflação reduzem subida do salário mínimo a 20 euros
Valor de 530 euros é afectado pelos descontos e pela inflação. Tema é discutido esta quinta-feira na concertação social.
A subida do salário mínimo nacional (SMN) para os 530 euros no próximo ano, proposta pelo Governo, vai traduzir-se num valor de pouco mais de 466 euros mensais. Este é o montante com que os trabalhadores terão de contar para as suas despesas do dia-a-dia, já que a este valor, bruto, tem de ser retirado o desconto obrigatório para a Segurança Social. Depois, há que contar ainda com o efeito de erosão causado pela inflação prevista para 2016. Isto significa que o aumento do poder de compra será de 20 euros em comparação com o valor actual. O aumento do SMN faz parte do programa do Governo socialista e deverá ser abordado na reunião da Comissão Permanente de Concertação Social desta quinta-feira, a primeira convocada pelo primeiro-ministro, António Costa.
A ordem de trabalhos do encontro tem como ponto único a apresentação do programa do Governo e o debate da agenda da concertação social, mas, na semana passada, Costa anunciou que a reunião com os parceiros sociais serviria para, "entre outras matérias, apreciar a proposta de aumento salário mínimo nacional para 600 euros mensais ao longo da legislatura".
Até chegar aos 600 euros em 2019, o SMN terá aumentos graduais, começando por uma subida dos actuais 505 euros para 530 euros no próximo ano. De acordo com as contas do PÚBLICO, aos 530 euros terá de ser retirado o desconto de 11% para a Segurança Social, resultando um salário líquido de cerca de 472 euros. Se a este valor for descontada ainda a inflação esperada para o próximo ano (os dados do Banco de Portugal, actualizados esta quarta-feira, apontam para 1,1%, em vez da estimativa anterior de 0,5%), então o montante não vai além dos 466,5 euros.
Também o aumento de 485 para 505 euros, feito em Outubro do ano passado, se tinha traduzido em apenas 447 euros mensais, descontando ao valor bruto a contribuição para a Segurança Social e tendo em conta a evolução dos preços em 2015 (a inflação esperada para o conjunto do ano é de 0,6%). Ou seja, entre 2015 e 2016, o aumento do poder de compra traduzir-se-á em mais 20 euros mensais, em vez dos 25 euros brutos que têm sido referidos.
Seja qual for o aumento, ele afectará directamente mais de 700 mil trabalhadores (em 2014, 20% dos trabalhadores por conta de outrem recebiam pelo mínimo). Além desses, há ainda que contar com o efeito deste aumento nas remunerações próximas do mínimo, que acabarão por também ser aumentadas.
A proposta do Governo está longe de ser pacífica. Os patrões têm os argumentos afinados para confrontarem o Governo, mas só a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) vai colocar uma contraproposta em cima da mesa. Será "inferior aos 530 de que o Governo vem falando", segundo afirmou o seu presidente, mas António Saraiva não concretizou o valor. Os restantes patrões querem conhecer o fundamento da proposta do executivo para depois se pronunciarem sobre valores.
Do lado das centrais sindicais, a CGTP fala em 600 euros e a UGT em 535 euros. Independentemente dos valores, há um ponto de honra para ambas: o aumento tem de produzir efeitos a 1 de Janeiro de 2016.
"É essencial garantir que a actualização do salário mínimo seja feita a 1 de Janeiro de 2016. Não há razão nenhuma para que o valor dependa da posição das partes", alerta Arménio Carlos, líder da CGTP, embora considere que os 530 euros sejam "insuficientes".
Do lado da UGT, o dirigente Sérgio Monte lembra que, se a decisão do Governo forem os 530 euros, ela ficará "muito próxima" das exigências da sua central para o próximo ano.
Patrões questionam fundamentos da proposta do Governo
As confederações da indústria, do comércio e serviços e da agricultura (o turismo não falou com o PÚBLICO) criticam a metodologia seguida pelo primeiro-ministro. Todas concordam que a decisão final sobre o aumento do SMN é uma competência do Governo, mas entendem que antes de apresentar uma proposta concreta, Costa devia ter ouvido os parceiros sociais.
"Existindo já uma proposta, esperamos agora que o Governo nos explique quais foram os critérios que levaram a esse valor, para depois nos podermos pronunciar", critica João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que representa alguns dos sectores mais afectados por um aumento da remuneração mínima, como o do comércio ou da restauração.
"Há um dado que gostávamos de conhecer: qual foi o indicador da produtividade que o PS usou para fazer a sua proposta", questiona o responsável, frisando que não se opõe ao aumento da remuneração mínima.
João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), saúda a marcação da reunião "com esta rapidez", mas lamenta que o processo "tenha começado pelo fim".
"A discussão deve ter por base o racional económico, a produtividade, a inflação, o desemprego. Quando o racional passa a ser o político, então o sistema está invertido", alerta, acrescentando esperar que o Governo apresente agora o relatório que sustenta a sua proposta de aumento. "Não discutiremos valores enquanto não tivermos os elementos necessários", garante João Machado, ao mesmo tempo que recorda que o acordo assinado em 2014 previa que uma comissão tripartida analisasse o impacto do aumento do SMN nos vários sectores e fizesse uma nova proposta, tendo em conta vários indicadores. Isso, apurou o PÚBLICO, não aconteceu, até porque a comissão nunca reuniu.
A CIP também critica a forma como o processo tem decorrido, mas, ainda assim, levará à concertação social uma proposta, que será inferior à do Governo. "Todos os parceiros têm a capacidade de trazer os seus cálculos e de demonstrar o racional dos números que apresentem. Nós apresentaremos os nossos, o Governo já apresentou o seu e os sindicatos apresentarão o seu racional de aumento", afirmou o presidente da confederação, António Saraiva, citado pela Lusa. O PÚBLICO tentou contactar Saraiva, para apurar o valor em causa, mas tal não foi possível.
Acordo para legislatura em aberto
Do lado do Governo, o objectivo é conseguir conciliar estas posições e fechar um acordo para a legislatura. Disse-o o primeiro-ministro e confirmou-o mais tarde o ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva: o executivo vai “fazer todos os possíveis até ao limite do impossível” para que ao aumento do salário mínimo para os 600 euros em 2019 tenha o acordo de todos os parceiros sociais. Mas, se não houver acordo, não deixará de decidir.
Do lado dos parceiros, há abertura para discutir cenários de médio prazo, embora com condições. A CCP não se opõe um acordo para vários anos, com “valores indicativos, que devem ser analisados em cada ano e não definidos a priori de uma forma taxativa”.
Também a CIP admite discutir o SMN para uma legislatura, “com escalonamento ano após ano, sempre com base em critérios objectivos [produtividade, crescimento da economia e inflação], mas também tendo em conta os custos de contexto [caso da diminuição da burocracia e da redução dos custos da energia]".
Questionados sobre a existência de contrapartidas directas como as que foram acordadas com anterior governo, que reduziu os encargos com a Segurança Social pagos pelas empresas com trabalhadores a receber o SMN, os patrões parecem preferir abrir o leque a questões relacionadas com os custos de contexto.
A CGTP, tal como a UGT, não fecha a porta ao debate para um acordo mais amplo, que vá ai encontro das várias posições. Contudo, Sérgio Monte, dirigente da UGT, lembra que o único acordo para o aumento faseados do SMN, assinado em 2006, não foi cumprido.