Os segredos da disputada W52
Em nenhuma outra equipa portuguesa o ditado “a união faz a força” assentará tão bem. Meticulosos e calculistas, os companheiros de Gustavo Veloso são (aparentemente) infalíveis, dedicados e 100 % leais
Antes do turbilhão de informação e contra-informação de domingo, poucos seriam aqueles que, não sendo amantes de ciclismo, conseguiam identificar a sigla W52. Atirada para as luzes da ribalta por guerras clubísticas, mais próprias do futebol, a formação de Sobrado ganhou fama instantânea e deixou os mais desatentos a insistirem na pergunta: o que tem esta equipa para despertar o interesse de Sporting e FC Porto?
Três títulos consecutivos nas últimas três edições da Volta a Portugal seria a resposta mais óbvia, não a mais certeira. A estória destes homens conta-se nos bastidores, nos laços fortalecidos em concentrações em alta montanha – são a única equipa portuguesa a fazê-lo como um todo -, nas viagens ao outro lado do Atlântico, já no final da temporada, para o Tour do Rio, na escolha meticulosa de ciclistas, nos episódios que não se publicam, só se confidenciam, e que remontam à sua primeira vitória na prova rainha do calendário nacional.
Gustavo Veloso era o líder da então estreante OFM, a antecessora da W52. Foi-o todos os dias, na classificação e nos gestos, até à nona etapa. Nesse 17 de Agosto de 2013, num contra-relógio técnico de 35,3 quilómetros, entre o Sabugal e a Guarda, o galego perdeu a Volta a Portugal por quatro segundos… para Alejandro Marque, seu colega e amigo. O sucesso de "Alex", ao invés de causar fissuras na união do grupo, reforçou-a – o episódio dos dois amigos a cantarem a “Rianxeira”, conhecida canção galega, perdura na memória de quem lá esteve.
Conquistada a mais apetecida das amarelas, a equipa de Sobrado vivia em aparente êxtase, uma imagem ilusória criada para ocultar aflições. Durante meses, os ciclistas esconderam os salários em atraso, pedalaram por amor ao ciclismo e à camisola, preferiram calar a denunciar. A incerteza, mantida em segredo para não prejudicar os patrocinadores, alimentada por faltas promessas, uniu-os. Dos laços profissionais nasceram amizades, Veloso, o grande defensor do grupo, tornou-se o seu líder natural, dentro e fora da estrada. Na véspera da Volta a Portugal, o ultimato: ou ele (o então director desportivo) ou nós. A união fez a força. José Barros foi despedido e o novo director, Jesus Rosendo, saiu dos nove ciclistas que iam alinhar na prova.
Imperturbáveis, os homens da OFM dominaram a Volta, entregaram a amarela a Veloso e criaram uma merecida aura de invencíveis, que repetiram este ano. O segredo? Simples. Com o racional e inteligente galego como cérebro, desenham meticulosamente a estratégia de cada etapa, antecipam o "xeque-mate" dos adversários, antevêem e elaboram um plano para cada cenário. E colocam o bem do seu líder acima do seu, não hesitando em hipotecar objectivos pessoais pela amarela. Tanto que, este ano, à partida para aquela que seria a segunda vitória do ciclista de 35 anos, ninguém duvidava que a amarela seria deles – e foi, à terceira etapa.
A novela Sporting-FC Porto
Haverá poucas equipas (quase) perfeitas no ciclismo mundial mas a W52 aproxima-se desta definição. Há anos à procura de um parceiro de sucesso, o Sporting encontrou nesta máquina velocipédica bem oleada e infalível a solução ideal. O PÚBLICO sabe que o regresso dos "leões" à estrada foi acordado de palavra na tarde de quarta-feira e anunciado, com pompa e circunstância, no Jornal Sporting, com direito a fotografia conjunta de Bruno de Carvalho e Nuno Ribeiro, o director desportivo e presidente da equipa, para surpresa dos próprios ciclistas, que não foram informados. Em Alvalade, os alertas soaram na tarde de quinta-feira. Aconselhado a ser prudente, o clube protelou as condições do acordo para, segundo revelou em comunicado, ser esclarecido quanto a “procedimentos relacionados com análise e controlo antidoping”.
Talvez informado das dúvidas que pairavam no rival lisboeta e conhecedor do "coração dragão" de Nuno Ribeiro, o presidente do FC Porto, Pinto da Costa, ligou ao director desportivo da W52 na manhã de sexta-feira e reuniu-se com este e com Adriano Quintanilha, principal patrocinador da equipa, com uma proposta bem mais concreta e vantajosa – cinco anos de parceria.
Estava irremediavelmente condenado o acordo com o Sporting, que um almoço no sábado ainda tentou salvar. O resto, já se sabe. Os "dragões" sprintaram melhor e, na próxima temporada, a formação de Veloso, o ainda e sempre grande candidato ao triunfo na Volta a Portugal, será a W52-FC Porto-Porto Canal.