Enquanto o amuo durar
PSD e CDS (também) ajudam ao estado de graça do Governo.
A direita já apresentou o seu caso. Durante quase um mês argumentou, exorbitou, rangeu os dentes, quase levou o Presidente da República a enveredar pelo caminho muito sensível de rejeitar uma solução com apoio maioritário no Parlamento. Ontem levou a votos a moção de rejeição, que naturalmente ficou pelo caminho pela força dos votos da esquerda, mas agora é tempo de arrepiar caminho. A solução Costa pode não agradar a todos – e seguramente não agrada a uma fatia considerável dos portugueses –, mas a verdade é que entrámos no clube da normalidade democrática, com a formação dos governos abrangendo toda a amplitude da geografia política eleitoral, proporcionando equipas de geometria variável e acordos à la carte. Passámos de uma democracia refém dos arranjos entre três partidos, para uma democracia de representação parlamentar aberta o que, convenhamos, significa um salto na qualidade da cultura política. Esta é, há muitos anos, a prática vigente em muitas das democracias mais avançadas da Europa, sem que tal signifique um atropelo ao Estado de Direito. O corte abrupto com a “tradição” justificou uma reacção inicial agastada por parte da coligação, mas tanto ressentimento já cansa. A direita continua presa numa teia de vitimização que lhe tolda qualquer vislumbre de futuro, incapaz de agir ou de ter qualquer papel e influência na definição de políticas para o país.
Passos Coelho foi o rosto e a voz desse ressentimento, ao ponto de fazer tábua rasa dos procedimentos institucionais, como se o Presidente da República não tivesse dado posse a um Governo constitucionalmente legítimo e este não estivesse na plenitude de funções. Ficou muito mal a Passos nunca se ter referido a António Costa como primeiro-ministro e a mencioná-lo como secretário-geral do PS quando criticou partes do discurso por ele proferido no dia anterior, ali mesmo, no Parlamento, já na qualidade de primeiro-ministro. O máximo que conseguiu, foi qualificá-lo como chefe do Governo, antes de se lançar em previsões de aumentos de impostos e a fechar portas a qualquer tipo de apoio ao Executivo socialista.
A hostilidade da direita é o cimento da esquerda. É certo que há os avisos de Catarina Martins de que não abdicará do seu programa, ou os alertas do comunista João Oliveira sobre “opções” que não podem passar por “mais cortes”, mas estes dois dias de debate deram para perceber que a cada ataque da oposição de direita, maior é o cerrar de fileiras à esquerda. Daí não ser previsível que as desinteligências entre os três partidos sejam, para já, a grande ameaça à governação PS. O problema centra-se nas contradições inerentes a esta solução, cujo agravamento depende de factores não controláveis e de que a recapitalização da banca é apenas o exemplo mais evidente. Isto explica o início da marcação a Mário Centeno, um ministro cujas fragilidades não serão toleradas à esquerda, nem justificáveis à direita. Mas PSD e CDS continuam amuados e isso ajuda ao estado de graça.