UE dá três mil milhões à Turquia para conter fluxo de refugiados
Acordo fechado em Bruxelas na esperança de que o Governo turco reforce o controlo das suas fronteiras e melhore as condições de vida dos dois milhões de sírios que vivem no seu território. Processo de adesão foi relançado.
A urgência em encontrar uma resposta para a chegada de milhares de refugiados e migrantes à Europa, em números a que os países da União Europeia (UE) não estavam habituados, empurrou os líderes europeus para a mesa de negociações com o Governo turco. Este domingo, em Bruxelas, ouviram-se promessas de um acordo abrangente e de um novo fôlego para o moribundo processo de adesão da Turquia, mas o principal objectivo é de curto prazo – dar três mil milhões de euros ao Governo de Ahmet Davutoglu em troca de um plano que possa manter os refugiados em território turco e reforçar o controlo das fronteiras do país com a Grécia e com a Bulgária.
A intervenção inicial do primeiro-ministro turco perante os chefes de Estado e de Governo da UE marcou a diferença sobre os objectivos políticos de cada uma das partes – e vincou a vantagem negocial da Turquia, provocada pela reacção europeia à chegada de refugiados e migrantes –, ao dedicar a esmagadora maioria das suas palavras ao novo impulso dado ao processo de adesão da Turquia, que foi aberto oficialmente em finais de 2004 mas que nunca esteve sequer perto de ficar fechado.
"Esta reunião não serve apenas para falar sobre o tema da migração, que é muito importante para todos nós, de uma perspectiva humanitária e estratégica, mas também sobre a 'reenergização' deste grande ideal de unir a UE ao potencial turco, para responder a crises económicas e a problemas geopolíticos", disse Ahmet Davutoglu, que falou num "dia histórico". "Trago uma mensagem clara de Ancara: somos uma nação europeia."
Do lado da UE, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, também mencionou a reabertura do processo de adesão, mas foi notório que o plano para deixar refugiados e migrantes na Turquia – e para lá dela – é um ficheiro que passa por cima de todos os outros.
"Convoquei esta cimeira para decidirmos, em primeiro lugar, o que é que a UE e a Turquia devem fazer em conjunto para lidar com a crise migratória. O nosso principal objectivo é estancar o fluxo de migrantes para a Europa", deixou claro Donald Tusk.
As questões dos direitos humanos e das críticas à falta de liberdade de expressão e de imprensa na Turquia ficaram para segundo plano, numa altura em que dois responsáveis do jornal Cumhuriyet foram detidos e acusados de espionagem por terem escrito que os serviços secretos turcos enviaram armas para rebeldes islamistas na Síria, e que o advogado curdo Tahir Elçi foi assassinado a tiro em plena luz do dia, na rua, quando estava a ser julgado por ter defendido que o Partido dos Trabalhadores do Curdistão não é uma organização terrorista.
No final da cimeira, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, salientou que o reinício do processo de adesão da Turquia "não significa que a política de alargamento esteja a ser reescrita", sublinhando que os países europeus mantêm inalteradas todas as exigências de respeito pelos direitos humanos. Também o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, frisou que esta reaproximação não resolve as diferenças em termos de direitos humanos e de liberdade de expressão.
O primeiro-ministro turco anunciou que "delegações ao mais alto nível" da UE e da Turquia vão reunir-se duas vezes por ano, e que o reinício do processo de adesão estará concluído, e pronto a avançar em todos os aspectos, em 2016. Para Ahmet Davutoglu, a crise migratória só será resolvida com a solução da guerra na Síria, e os três mil milhões de euros – "que não se destinam à Turquia, mas sim aos sírios" – servem apenas para aliviar o esforço financeiro que o seu país já está a fazer desde 2011.
Na prática, segundo o plano de acção conjunto, a UE oferece à Turquia dinheiro, o reinício do processo de adesão e a facilitação de vistos para cidadãos turcos, e espera em troca que o Governo de Ancara passe a controlar melhor as suas fronteiras e, idealmente, que proporcione melhores condições de vida aos mais de dois milhões de refugiados sírios que vivem no seu território – apesar de a crise migratória ter passado a ser um dos temas mais discutidos na Europa nos últimos meses, a Turquia, a Jordânia, o Líbano, o Iraque e o Egipto acolhem 95% dos mais de quatro milhões de refugiados sírios.
Os países da UE vão dar três mil milhões de euros ao longo dos próximos dois anos, mas o Governo da Turquia gastou mais de sete mil milhões desde 2011. Para manter os actuais 25 campos de refugiados, muitos sem as condições ideais ou sequer mínimas, a Turquia gasta quase dois milhões de euros por mês.
Dos mais de dois milhões de sírios que estão na Turquia, apenas 263.000 vivem em campos para refugiados. Os restantes estão espalhados pelo país, a maioria a viver em condições miseráveis perto das maiores cidades, como Istambul. Um desses refugiados, que não quis revelar a identidade, disse à BBC que nada o impedirá de tentar chegar à Alemanha, onde a sua mulher e os dois filhos chegaram há cinco meses, depois de uma travessia de barco até à Grécia: "Nunca aceitarei ficar aqui, independentemente do que me oferecerem. Os seres humanos sentem-se como animais na Turquia. Quando tiver dinheiro suficiente, irei ter com a minha família na Alemanha."
Os sírios não têm estatuto de refugiados na Turquia porque o país ainda não abdicou da cláusula de limitação geográfica inscrita na convenção de 1951 sobre refugiados, segundo a qual só cidadãos europeus podem beneficiar desse estatuto – como recebem apenas asilo temporário, estão impossibilitados de aceder ao mercado de trabalho legal, e muitos são explorados.