“Nem medo, nem vingança”, assim se quer erguer Paris
"As coisas nunca mais vão ser iguais", diz ao PÚBLICO o lusodescendente Hermano Sanches Ruivo, vereador da Câmara de Paris.
Enquanto aos poucos se vai compondo a história trágica destes atentados, os parisienses procuram voltar à normalidade. Pelo menos, é esse o plano da Câmara de Paris para a cidade. Quem o diz é Hermano Sanches Ruivo, vereador socialista. “Sabemos que Paris é um alvo senão prioritário, quase sistemático, do islamismo mais radical e do fanatismo. Mas temos de saber passar a mensagem correcta. Temos de lutar contra a vontade de pânico e vingança”, diz ao PÚBLICO, o lusodescendente.
“As pessoas estão chocadas, é verdade que chegámos a outro patamar. Há muito tempo que não tínhamos uma situação de emergência como esta que agora o Presidente decretou”, começa por dizer Sanches Ruivo, com a certeza de “as coisas nunca mais vão ser iguais”. “Mas procuramos, porque é assim que tem que ser, chegar a uma normalidade.”
Na noite de sexta-feira, o vereador de Anne Hidalgo, a primeira mulher a liderar a Câmara de Paris, estava a distribuir panfletos para as eleições regionais francesas, cuja primeira volta é a 30 de Novembro. Foi quando se preparava para ver o jogo entre França e Alemanha que soube o que se passava. “Fui a correr para a Câmara”, conta, revelando que já neste sábado houve uma reunião extraordinária do executivo municipal para se fazer um ponto de situação dos atentados e para se delinear uma estratégia de acção.
No que diz respeito à segurança, o plano de acção é delineado pelo Governo – “já estão 1500 soldados na cidade”. À câmara cabe, por exemplo, “o reforço da unidade de apoio às famílias, inclusive, no apoio aos funerais”. “Temos os serviços camarários mas vamos aumentar, porque estamos a falar de quase 130 mortos e bastantes feridos em situações dramáticas e desesperadas”, diz.
“Não estamos a descobrir uma realidade nova, sabemos que isto pode acontecer, não sabemos é quando e onde”, continua, admitindo que depois do ataque a 7 de Janeiro ao Charlie Hebdo, foram várias as vezes em que se disse que as coisas tinham de mudar. “Mas será que mudaram assim tanto”, aponta, para defender que há ainda um longo trabalho a fazer. “Não se trata apenas de chamar mais polícias, precisamos cada vez mais de mais informação, antes que a coisa aconteça para não termos depois de procurar quem fez”, diz, explicando que “o trabalho de informação não é suficientemente consequente”.
Hermano Sanches Ruivo destaca ainda como os terroristas passaram “a atacar famílias”. “As pessoas mais do que as instituições foram o alvo. Há uma mudança simbólica. Sítios de lazer, de convívio, de prazer. Esse prazer ocidental”, diz o vereado. “Os mais jovens estão a assistir pela primeira vez a um atentado”, sublinha. “Aconteceu numa sala onde vão.”
Por outro lado, o lusodescendente destaca a forma como muitas pessoas compreenderam, com este terrível ataque, por que é que França está a acolher migrantes e refugiados. “É desta guerra que eles fogem, é destes ataques que eles fogem”, afirma. “Penso que compreenderam porque é que as pessoas querem fugir.”
Sobre as acusações que facilmente podem cair sobre os refugiados, com argumentos de que entre eles se infiltram terroristas, Sanches Ruivo lembra que antes do atentado já se vivia num clima de desconfiança e conflito. “O extremismo já está aqui”, diz, explicando que muitos dos terroristas serão provavelmente franceses, tal como aconteceu no ataque de Janeiro.
Há um problema para resolver dentro do próprio país. “A verdade é que ainda há muito preconceito. Há problemas de integração em vários lugares, mesmo franceses dos territórios ultramarinos que continuam a ser tratados como se não fossem cidadãos franceses”, acrescenta.
A resposta, no entanto, não pode ser a vingança, por muito que se saiba a origem dos ataques. “Percebo que seja uma questão de orgulho, mas a mensagem que queremos transmitir é: nem medo nem vingança”, conta. “Actividade, cabeça erguida. As coisas têm de continuar, a vida tem de continuar.”