Director e cartoonistas entre os 12 mortos do ataque a jornal francês
Foi morto o director do semanário Charlie Hebdo e vários membros do grupo de fundadores na sede de Paris. Hollande fala em "acto de barbárie excepcional".
Entre as vítimas estão o director da publicação, Stephane Charbonnier, conhecido como "Charb", e outros membros do grupo de fundadores, entre os quais Georges Wolinski e Jean Cabut, que assinava como "Cabu", segundo fontes policiais citadas pela imprensa local. Vários meios de comunicação relatam igualmente a morte do economista Bernard Maris, que colaborava com o jornal. A morte de dois agentes da polícia foi também confirmada pela procuradoria da capital francesa.
"Sinto-me muito mal. Mataram todos os meus amigos. É um massacre assustador. Há que não permitir que se instale o silêncio", afirmou aos microfones da rádio France Inter Philippe Val, que durante muitos anos foi director do Charlie Hebdo.
Para além dos 12 mortos há ainda 20 feridos, dos quais quatro em situação grave, revelou o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, que também referiu terem sido três os autores do ataque e não dois, como chegou a ser avançado. O ministro garantiu ainda a mobilização de "todos os meios do Estado" para "neutralizar os três criminosos na origem deste acto bárbaro".
Perto das 11h30 (10h30 em Lisboa) três homens armados começaram a disparar no interior da sede do jornal satírico Charlie Hebdo, que em 2011 foi alvo de um outro ataque. Segundo uma fonte citada pela AFP, os homens estavam “armados com uma Kalachnikov e um lança-rockets” e disparam perto de "50 tiros", de acordo com algumas testemunhas.
Os homens, com a cara coberta, entraram no edifício, localizado numa rua do centro de Paris, quando decorria a reunião semanal da equipa do jornal, contou o jornalista Benoit Bringer à rádio France Info. “Alguns minutos depois, ouvimos muitos tiros”, disse Bringer.
"Matámos o Charlie Hebdo"
Um vídeo filmado por jornalistas que fugiram para o telhado do edifício mostra dois atacantes com capuzes, um deles dizendo: "Matámos o Charlie Hebdo. Vingámos o profeta Maomé."
Antes de fugirem, os homens trocaram tiros com alguns agentes da polícia, matando um deles à queima-roupa, segundo a France 24. Pouco depois, abandonaram o carro em que seguiam junto à Porta de Pantin, um subúrbio no Nordeste de Paris, onde atropelaram um peão, e continuam em fuga, de acordo com a polícia.
De acordo com um balanço feito ao final do dia pelo procurador de Paris, François Molins, entre as 12 vítimas estão oito jornalistas, dois polícias, um visitante da redacção e um funcionário da recepção do jornal.
O ataque coincidiu com a publicação da nova edição do Charlie Hebdo, que inclui um cartoon do director, Charb, que se revelou premonitório. "Ainda não houve atentados em França. Esperem. Temos até ao fim de Janeiro para apresentar os nossos desejos [de Ano Novo]."
O último cartoon de Charb
Um acto de bárbarie, diz Hollande
O Presidente francês, François Hollande, deslocou-se ao local do ataque, que qualificou como "um acto terrorista". "Um acto de uma barbárie excepcional foi cometido hoje em Paris sobre jornalistas", disse. "Vários atentados foram evitados" nos últimos tempos, acrescentou ainda o Presidente francês, sem entrar em pormenores.
Hollande convocou uma reunião de emergência no Palácio do Eliseu para a tarde e às 20h (19h em Lisboa) falou ao país, para decretar luto nacional. O nível de alerta de segurança VIgipirate foi elevado para o escalão máximo de "atentado terrorista" para toda a região parisiense. Segundo apurou o jornal Le Figaro, junto de fontes policiais, todas as redacções de órgãos de comunicação em Paris estão a ter protecção policial extra.
Os grupos empresariais Le Monde, Radio France e France Télévision ofereceram as suas instalações e meios à redacção sobrevivente do Charlie Hebdo para que "o jornal continue a viver", anunciaram em comunicado.
O primeiro-ministro, Manuel Valls, afirmou que cada francês está "horrorizado" com o ataque e que "a França foi atingida no seu coração".
A líder do partido de extrema-direita Frente Nacional, Marine Le Pen, dirigiu a sua condenação na direcção do "fundamentalismo islâmico". "Não se pode ter medo de usar as palavras: trata-se de um atentado terrorista cometido em nome do islamismo radical (...). Coloquem as questões certas e dêem respostas francas e claras", afirmou numa curta declaração.
Para o fim do dia estão convocadas manifestações de solidariedade com o Charlie Hebdo em várias cidades francesas, e para expressar o desprezo para com este ataque à liberdade de expressão, algumas delas convocadas pelos próprios presidentes de câmara.
O Conselho Muçulmano de França condenou “o acto bárbaro de extrema gravidade”, dizendo que é também “um ataque contra a democracia e a liberdade de imprensa”.
Vídeo do jornalista Martin Boudot, da agência Premières Lignes
Obama oferece ajuda
A Casa Branca condenou "nos termos mais fortes" o ataque contra o jornal francês. "Toda a Casa Branca está solidária com as famílias daqueles que foram mortos durante este ataque", afirmou o porta-voz presidencial Josh Earnest. Barack Obama ofereceu ajuda para "levar estes terroristas à Justiça".
O ataque foi também condenado pelo presidente dos Repórteres Sem Fronteiras, Christophe Deloire, que o classificou como um "atentado bárbaro". "É o tipo de coisas que se vêem no Paquistão ou na Somália, mas em França... É um ataque contra a liberdade de expressão, contra as nossas liberdades", afirmou em declarações ao Le Figaro.
O Governo português também manifestou a "profunda solidariedade" para com os familiares das vítimas e afirmou esperar que "os suspeitos deste acto bárbaro sejam rapidamente detidos, julgados e condenados". E a Assembleia da República prepara-se para aprovar na sexta-feira um voto de condenação ao atentado. No Parlamento, os deputados de todas as bancadas parlamentares coincidiram na condenação ao atentado, descrevendo-o como um "ataque à democracia" e à "liberdade de expressão" e apelando à "unidade entre os povos".
Nas redes sociais, a solidariedade para com o jornal foi manifestada de várias formas. Os utilizadores do Facebook adoptaram esta imagem como foto de perfil e houve um grande aumento dos "gostos" na página do Charlie Hebdo. Um evento de solidariedade convocado pelo Facebook para a Praça da República, em Paris, tinha às 18h mais de dez mil participantes inscritos, mas muitas mais reuniram-se nas ruas. No Twitter, as hashtags mais utilizadas nas últimas horas têm sido #JeSuisCharlie, #CharlieHebdo e #Charlie, todas em referência ao atentado.
Em Novembro de 2011, o jornal foi atacado e a redacção foi destruída por um cocktail molotov, um dia depois de a publicação satírica ter nomeado o Profeta Maomé como seu director, com uma caricatura de Maomé na capa. “100 chibatadas se não estás a rir”, dizia a caricatura do jornal, cujo nome tinha sido mudado para Charia Hebdo.
O jornal tinha sido, em 2007, um dos que reproduziram 12 cartoons controversos de Maomé, alvo de uma onda de indignação no mundo árabe, em solidariedade com o jornal dinamarquês que primeiro os publicou, o Jyllands-Posten.
Em Novembro de 2013, um homem armado entrou no diário Libération e disparou, atingindo duas pessoas sem chegar a matar. “Da próxima não falho”, terá dito a um editor que estava à entrada. A seguir ainda disparou contra a fachada do banco Societé Générale, sem atingir ninguém. Três dias depois, a polícia encontrou o autor dos disparos, Abdelhakim Dekhar, inconsciente por overdose num carro num parque de estacionamento.