Revisão constitucional proposta por Passos "não é exequível" e busca "dividendos políticos"
Os constitucionalistas Jorge Miranda e Jorge Reis Novais afirmam, ao PÚBLICO, que desafio do líder do PSD não faz sentido. Situam-no no campo da campanha política.
As palavras de Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro em funções, na noite de quinta-feira nas jornadas conjuntas do PSD e CDS-PP, mostrando-se disponível para uma revisão constitucional extraordinária que permitisse a convocatória de eleições antecipadas, têm força para andar ou são munições de guerrilha partidária? Dois constitucionalistas afirmam ao PÚBLICO que aquela proposta não faz sentido. A não ser por motivos políticos e na agenda da coligação Portugal à Frente, pois implicaria a dissolução imediata do Parlamento onde as bancadas de Passos Coelho e Paulo Portas perderam a maioria para as forças de esquerda.
De qualquer modo, não seria "exequível", anotam os peritos. Haveria uma sobreposição de calendários eleitorais entre as presidenciais e as legislativas – entre as duas consultas tem de mediar um prazo de 90 dias. E rever a Constituição da República implica também uma maioria de dois terços dos deputados, o que envolveria o PS. Semelhante operação afigura-se impossível, dado o actual estado do relacionamento entre a coligação e os socialistas, a existência de uma maioria alternativa e a perspectiva de um novo governo liderado por António Costa.
Jorge Miranda: “Não percebi o teor da proposta”
“Não percebi muito bem o teor da proposta”, diz ao PÚBLICO Jorge Miranda, catedrático das faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica, numa referências às palavras do primeiro-ministro em funções. “Estou fora do âmbito do contraditório político”, destaca o constitucionalista.
“É possível uma revisão constitucional, pois já passaram dez anos desde a última”, recorda. Contudo, Jorge Miranda levanta um óbice: “Na conjuntura actual, fazer uma revisão constitucional que necessita de dois terços não me parece ter viabilidade.” No entanto, foi essa a proposta que Pedro Passos Coelho fez para permitir eleições legislativas antecipadas que mereceu aplausos da assistência de militantes e simpatizantes da coligação Portugal à Frente.
“Tal facto implicaria já a dissolução do Parlamento; é uma questão complexa, porque haveria sobreposição com o calendário das presidenciais”, observa. “Há um período de 90 dias que separa as eleições do Presidente da República e as para a Assembleia da República”, refere. A existência deste compasso de espera de três meses, ditado pela lei fundamental, tem óbvias consequências. “Prolongaria o actual mandato do Presidente e criaria um problema com o governo de gestão”, afirma.
Por fim, Jorge Miranda assinala um outro escolho. “O Presidente não deixaria de estar obrigado a nomear um novo governo e um governo de gestão não pode ser mantido indefinidamente”, conclui.
Jorge Reis Novais: “Não é coisa séria”
“Não é uma proposta para ser realidade, é apenas elemento de campanha política, não é uma coisa séria”, comenta ao PÚBLICO Jorge Reis Novais, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, especialista em Direito Constitucional e antigo assessor do Presidente da República Jorge Sampaio entre 1996 e 2006.
“O primeiro-ministro sabe que [a proposta] não tem viabilidade, a revisão da Constituição precisa de dois terços do número de deputados, o que envolveria o PS”, recorda. “Não se pode ao mesmo tempo insultar um partido e convidá-lo para uma revisão constitucional; por isso, a proposta é apenas para retirar dividendos políticos, não é coisa séria”, sublinha.
O professor Reis Novais estranha o comportamento de Cavaco Silva. “O preocupante é que, sem justificação, o Presidente da República protela a sua decisão [de indigitação de António Costa] e ao mesmo tempo desenvolve-se esta campanha em paralelo”, analisa. “Pretende-se retirar efeitos políticos, a curto e médio prazo, mas não se vai a lado nenhum”, observa.
Para o constitucionalista, a Cavaco Silva só restam duas opções: “Nomear António Costa ou provocar uma situação caótica no país”, garante. “A manutenção deste Governo é inconstitucional e a segunda hipótese – nomear outro executivo que não fosse liderado por Costa –, embora não fosse inconstitucional, seria igualmente caótica”, conclui.