Pedro Cabrita Reis monta a casa em Coimbra

Escultor é um dos artistas convidados do “anozero” da bienal de arte contemporânea da cidade, que tem como mote "Um lance de dados".

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A intervenção de Pedro Cabrita Reis foi feita numa sala que vem do século XVI Adriano Miranda
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Pedro Cabrita Reis em acção na Sala da Cidade DR
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Pormenor da intervenção do escultor Adriano Miranda
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Tecto do antigo refeitório dos frades do Mosteiro de Santa Cruz Adriano Miranda
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Os azulejos estavam escondidos pelos expositores Adriano Miranda
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A luz é parte essencial da instalação Adriano Miranda
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Pormenor da instalação Adriano Miranda
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“Foi uma experiência muito gratificante; um trabalho brutalmente intenso", diz Cabrita Reis Adriano Miranda
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A Sala da Cidade tornou-se Casa de Coimbra Adriano Miranda
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Pormenor da instalação Adriano Miranda
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A importância da iluminação Adriano Miranda
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Azulejos seculares Adriano Miranda

Os dados já estavam lançados, de algum modo: o antigo refeitório dos frades do Mosteiro de Santa Cruz, um recinto de cerca de 500 m2 datado do século XVI, tinha sido transformado, na década de 1990, numa sala de exposições – a Sala da Cidade –, mas estava fechada e precisava de ser revitalizada. O lançamento de uma nova bienal de arte contemporânea foi visto como um bom pretexto para essa acção. Daí para um convite a Pedro Cabrita Reis foi um passo “fácil e evidente”, explica ao PÚBLICO Carlos Antunes, director artístico da bienal de Coimbra que este sábado abre nesta cidade classificada como património mundial.

“Pedro Cabrita Reis é um artista que trabalha o tempo numa perspectiva de continuidade, sem rupturas entre o passado e o presente. Nele não há diferença entre o ancestral e o contemporâneo, há continuidade no tempo. Além de que tem uma grande capacidade de reactivar materiais que poderão parecer obsoletos”.

Foi isso que Cabrita Reis fez com a velha Sala da Cidade, transformando-a, temporariamente, n’A Casa de Coimbra, uma das mais de vinte exposições-instalações-intervenções que fazem o programa da nova bienal, que se estende por 23 espaços diferentes da cidade – e que irá decorrer até 29 de Novembro.

Entrámos n’A Casa de Coimbra alguns dias antes da inauguração e vimo-nos bem dentro do mundo de Cabrita Reis: sob um tecto secular com uma grande abóbada derramando veios de recorte manuelino, e dentro de quatro paredes decoradas com os tradicionais azulejos azuis e brancos, a estrutura para uma galeria de exposições foi literalmente esventrada e transformada numa nova escultura labiríntica feita de placas de contraplacado em “ferida” exposta, e aberta às leituras mais diversas.

“Foi uma experiência muito gratificante; um trabalho brutalmente intenso, tanto do ponto de vista emocional como criativo”, explicou o artista ao PÚBLICO, por telefone, poucos dias antes de regressar a Coimbra para verificar in loco a iluminação final, e participar na “inauguração”.

Durante três dias, Cabrita Reis trabalhou com bombeiros e carpinteiros da cidade, que com uma moto-serra e outras alfaias concretizaram aquilo que o escultor ia imaginando no momento. “Não fiz nenhum desenho prévio. Quando vi o lugar, soube imediatamente o que queria e ia fazer; é o próprio trabalho que nos mostra a coisa”, disse o artista, lembrando ter já realizado uma intervenção idêntica em Maastricht, num edifício projectado pelo arquitecto suíço Mario Botta.

“Fazer esta desconstrução-construção deu-me um enormíssimo prazer, além de que se trata de um modus operandi que me toca profundamente, toca-me todos os andares do corpo: físico, psicológico, emocional...”, acrescentou. E Cabrita Reis justifica a designação A Casa de Coimbra por associação e continuidade – é mais uma das séries características da sua obra – com dois projectos que realizou este ano em França e em Itália: a Casa de Saint Étienne e a Casa de Roma, esta ainda actualmente instalada na praça exterior do MAXXI – Museu Nacional de Arte do Século XXI.

“A casa é um lugar a partir de onde se vê o mundo, não é só o lugar onde se está e se vive”, justifica o escultor, fazendo o paralelismo com a presente intervenção em Coimbra, onde quis assumir “um lado precário e labiríntico” numa sala que é “um palimpsesto, uma autêntica galeria de memórias de várias épocas e culturas” – recorde-se que foi nesta sala que foram encontradas as peças d’A Última Ceia de Hodart, um tesouro da escultura portuguesa que entretanto foi restaurado e agora está em exposição no Museu Nacional Machado de Castro (MNMC).

Além de dotar o programa da bienal com uma assinatura de referência da arte contemporânea portuguesa, “a ‘desconstrução criativa’ de Pedro Cabrita Reis revelou e permitiu tomar conhecimento de novas coisas escondidas e relativas à história desta sala, como os azulejos e as colunas”, realçou ao PÚBLICO Carina Gomes, vereadora da Câmara de Coimbra.

A intervenção do escultor vai, de resto, manter-se aberta ao público até final do ano, indo para além do calendário da bienal. “Em Janeiro será removida para que seja reposto o perfil histórico da sala”, explicou a autarca.

Um verso de Mallarmé

O tema genérico da Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra, neste seu “anozero”, é inspirado em Stéphane Mallarmé (1842-1898): “Um lance de dados” (do verso “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, escrito em 1897).

Os curadores da bienal – Carlos Antunes, Luís Quintais, Pedro Pousada e Luísa Santos – dizem que a referência ao poeta simbolista francês “pode ser lida como uma conversa entre intervenções de arte contemporânea” num “território partilhado”. Trata-se de pegar na “inscrição de Coimbra Património da Humanidade e perceber que nada está garantido, tudo é efémero”, diz Carlos Antunes ao PÚBLICO.

Este arquitecto e director artístico do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC) – que com a Câmara e a Universidade partilham a organização da bienal – justifica a designação de “anozero” para esta primeira edição como “um plano de acção para a cidade em busca da sua identidade”. “É como se a vida fosse uma espiral que se aproxima da origem para se expandir”, acrescenta Carlos Antunes, que quer evitar que em Coimbra se cristalize o “chamado efeito Unesco, que consiste em transformar as cidades numa Disneylândia à escala urbana, com tudo muito pintadinho e limpinho”. “As cidades não são assim, não podem ser transformadas em museus, e ninguém melhor que os artistas contemporâneos para olhar por isto”, nota.

E são perto de meia centena os artistas – pintores, escultores, performers, cineastas, músicos... – convocados para o programa desta bienal, que os responsáveis acreditam que vai ter continuidade – a 2ª edição (2017), de resto, irá ser anunciada já no decorrer deste mês de Novembro.

Alguns exemplos: Julião Sarmento mostra a escultura Shadow pieces on body frames (2013) e uma selecção de filmes entre o CAPC e a Casa das Caldeiras; Alberto Carneiro e Francisco Tropa reúnem duas obras no belo Edifício Chiado sob o título Encriptar, revelar. Uma gruta e uma clareira; o mesmo Francisco Tropa vai deixar no espaço público da cidade, junto ao Estádio Universitário, Museu (um projecto de 2001), um novo equipamento cultural urbano que será gerido por um director, um curador e um conservador; Rui Chafes & Pedro Costa exibem Família no MNMC; na Biblioteca Joanina, a brasileira Adriana Varejão apresenta a vídeo-instalação Transbarroco (2014); o angolano Binelde Hyrcan exibe o vídeo Cambeck (2010) na Sala do Exame Privado da Universidade, uma parábola sobre o caos da vida quotidiana em Luanda; o cineasta e poeta belga Marcel Broodthaers, já desaparecido, interpela directamente Mallarmé, no laboratório do CAPC, com Um lance de dados jamais abolirá o acaso, montagem de dois filmes de 1969…

“A cidade património não é eterna, não tem nada garantido e tem de estar aberta ao acaso”, diz Carlos Antunes a justificar a programação deste “anozero” da Bienal de Coimbra. O programa completo pode ser consultado em http://anozero-bienaldecoimbra.pt/

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