Em Braga, todos os caminhos vão dar à vanguarda
Até domingo, Braga recebe no Semibreve nomes de proa da música electrónica e das artes digitais. Na sua quinta edição, o festival é já uma referência internacional e ajuda à afirmação de uma cidade criativa e aberta à vanguarda tecnológica e artística.
Hans-Joachim Roedelius, histórico músico da electrónica alemã (ligado ao kraut rock dos grupos Kluster e Harmonia), chegou a Braga alguns dias antes do arranque do festival Semibreve. Roedelius, que protagonizará um concerto especial comemorativo do seu 80º aniversário esta sexta-feira à noite, foi um dos nomes fortes da primeira edição do Semibreve, em 2011, tendo confessado à organização o seu fascínio por um “festival tranquilo”. “Ele sentia que era tudo muito relaxado, que tudo corria bem”, lembra António Rafael Machado, músico dos Mão Morta e um dos criadores desta montra anual de música electrónica avant-garde e artes digitais que ganhou já, antes do arranque da sua quinta edição, um extraordinário relevo no calendário internacional.
Na génese do Semibreve esteve a constatação factual do forte crescimento demográfico de Braga nas décadas de 80 e 90 – de acordo com os Censos 2011 a população residente ascende a mais de 180 mil habitantes – e a natural “vocação tecnológica, de inovação, risco e aposta em vanguarda” que Rafael entende ser definidora da cidade. A este factor acrescia a justaposição perfeita que instalava num meio periférico um festival dedicado a artes periféricas. Com a programação mais popular assegurada pelo normal funcionamento do Theatro Circo – também casa-mãe do Semibreve –, vingava a ideia de que fora dos dois grandes centros urbanos do país haveria espaço para um maior impacto de um evento destas características. Desde o início, portanto, logo houve um assumido objectivo de “ombrear em qualidade, dentro dos recursos disponíveis, com festivais e internacionais”, demonstrando que a dimensão da cidade era mais um atractivo do que uma desvantagem restritiva.
Foi precisamente esse atractivo, que Roedelius identificou de imediato, a permitir que o Semibreve se impusesse não apenas pela criteriosa programação mas também por algo que, não surpreendendo, não foi objecto de qualquer planeamento. “Desde a primeira edição há um bem-estar geral”, reconhece Rafael Machado. “Isso tem que ver muito com a escala da cidade, porque tudo é perto, todos os percursos se fazem a pé, os artistas são deixados à sua vontade, artistas e jornalistas jantam juntos”, e o público cruza-se naturalmente com as grandes figuras do festival frequentando os mesmos espaços assim que terminam os concertos. É esse “espírito de informalidade e de bem-estar”, mas também de encontro de uma comunidade específica, que leva a que os músicos peçam para ficar em Braga durante a totalidade do festival, não se refugiando no hotel logo que saem do palco, nem partindo de imediato, em muitos casos, para outra paragem.
A importância deste espírito na construção da reputação do Semibreve torna-se evidente quando, num ano em que os passes gerais aumentaram de 150 para 400 e esgotaram antes sequer de alguns cabeças de cartaz serem anunciados, a organização faz saber que o Semibreve provavelmente já cresceu aquilo que tem a crescer com a introdução de alguns espectáculos simultâneos. Não se trata de falta de ambição, mas antes de consciência de que a identidade não deve ser colocada em perigo pela obsessão de um crescimento constante. “Não somos uma produtora de festivais”, sublinha Rafael, “Alguns de nós são músicos e isso altera muito a perspectiva. Tudo acontece numa lógica de prazer de organizar. Adulterando-se este espírito, que só é compatível com um festival pequeno, entraríamos numa lógica diferente que não queremos.” Daí que, em edições futuras, o modelo possa vir a ser retocado, mas com a preocupação de não comprometer o figurino delineado até agora.
“Não é bem uma festa privada em casa, mas é o mais próximo que conseguimos disso”, comenta Rafael. Afinal, ao contrário do que é costume, no Semibreve é normal encontrar os organizadores sentados na sala, a assistir aos concertos, em vez de entregues a um stress permanente.
Cidade Criativa
O sucesso evidente de um festival de pequena escala, que em 2014 juntou duas mil pessoas em três noites, em concertos que acontecem em salas cuja lotação máxima é de 897 espectadores, mede-se também pela ampla cobertura internacional assegurada por publicações como a Wire ou o site The Quietus, ou pela eleição do Semibreve como um dos 26 festivais mais interessantes do mundo pela revista Dazed and Confused e da escolha pelo Resident Advisor enquanto um dos 10 festivais obrigatórios a visitar em Outubro. Rafael reconhece que a aposta na comunicação internacional foi determinante para a afirmação do Semibreve, funcionando também como recurso facilitador da sedução aos artistas internacionais. Mas também a nível local os frutos são óbvios: este tipo de propostas passou a contaminar a programação regular da sala GNRation (a nível de concertos, instalações, residências artísticas ou até do serviço educativo), a criação dos músicos da região e a facilitar o acesso a eventos para massas, como a Noite Branca.
Estará aqui também, sem dúvida, um importante contributo para que uma cidade com uma História milenar se afirme na criação contemporânea e possa actualmente candidatar-se com fortes argumentos a Cidade Criativa da UNESCO.