Carta aos meus companheiros de prisão

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Diogo Baptista

Junho vai longe. Passámos muitos dias presos em celas solitárias, alguns sem comer, com muitas saudades de quem nos é próximo. Pelo caminho sentimos a solidariedade da maioria dos prisioneiros e funcionários. Tivemos apoio de família e amigos. Nas últimas semanas, em que mantive a greve de fome que decidimos em conjunto (em Calomboloca), muita coisa mudou. Tive a oportunidade de me aperceber do que nos espera lá fora e queria partilhar convosco o que vi:

Vi pessoas da nossa sociedade, que lutaram pelo nosso país e viveram o que estamos a viver, a saírem da sombra e a comprometerem-se em nossa defesa, para que a História não se repita. Vi pessoas de várias partes do mundo, organizações de cariz civil, personalidades, desconhecidos com experiências de luta na primeira pessoa que, sozinhos ou em grupo, se aglomeram no pedido da nossa libertação. Já o sentíamos antes, mas não com esta dimensão. Muito acima das nossas melhores expectativas. E está longe de abrandar. Todos os dias há notícias de anónimos, personalidades ou instituições que se juntam pela nossa libertação.

No nosso país muita coisa mudou e outras lamentavelmente se repetem. Soube de limites serem ultrapassados, com mamãs espancadas e vigílias à porta de igrejas, reprimidas cobardemente. Isto expôs a fragilidade de quem nos governa. E a prepotência, a incompetência e a má-fé demonstradas na gestão do nosso processo trouxeram-nos até aqui. Cada decisão contra acabou por resultar a favor de mais e maior atenção. Ainda assim, a força parece desproporcional. Não vejo sabedoria do outro lado. Digo-vos o que disse noutras situações semelhantes: vamos dar as costas. E voltar amanhã de novo. Vou parar a greve.

Conseguimos muita atenção em volta da nossa causa. Muita dela recai agora sobre mim. Por isso pedi para me juntar a vocês em São Paulo e, assim, podermos falar a uma só voz.

À sociedade: não vou desistir de lutar, nem abandonar os meus companheiros e todas as pessoas que manifestaram tanto amor e que me encheram o coração. Muito obrigado. Espero que a sociedade civil nacional e internacional e todo este apoio dos media não pare.

Estou inocente do que nos acusam e assumo o fim da minha greve de fome. Sem resposta quanto ao meu pedido para aguardarmos o julgamento em liberdade, só posso esperar que os responsáveis do nosso País também parem a sua greve humanitária e de justiça. De todos os modos, a máscara já caiu. A vitória já aconteceu. E o mérito a seu dono: foi o próprio regime que, incapaz de conter os seus próprios instintos repressivos, foi, a cada decisão, obviando a vã promessa de democracia, liberdade de expressão e respeito pelos direitos humanos.

Abracemos todo o amor que recebemos e agarremos todas as ferramentas. Juntos. Já não somos os "arruaceiros". Já não somos os "jovens revús". Já não estamos sós.

Em Angola, somos todos necessários. Somos todos revolucionários. Foi assim que o nosso país nasceu, mas, desta vez, lutamos por uma verdadeira transformação social, em paz.

É com essa boa-fé, que assino

Luaty Beirão

 

 

 

 

 

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