Sínodo abre porta à reintegração de divorciados recasados na Igreja Católica
Três semanas de discussões no Vaticano terminam. Papa vai estudá-las. Mas pode divulgar de imediato o relatório sobre os consensos a que chegaram bispos de todo o mundo.
O Sínodo sobre a família que este fim-de-semana termina no Vaticano pode abrir perspectivas de reintegração na Igreja Católica a alguns divorciados recasados. Mas não trará novidades na forma como a Igreja encara a homossexualidade.
É para aí que apontam as declarações feitas este sábado pelo cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, pouco antes de começarem as votações sobre o relatório de três semanas de trabalhos à porta fechada.
O relatório dos padres sinodais foi depois votado para, em seguida, ser entregue ao Papa Francisco. Cada um dos 94 artigos do documento de 50 páginas foi aprovado por maioria qualificada de dois terços. É, segundo a AFP, um texto que os conservadores consideram “confuso” e os progressistas “tímido”.
No caso dos recasados, as declarações do cardeal austríaco vão no sentido da autorização, em algumas situações concretas, da comunhão de católicos que voltaram a casar após um divórcio.
“O documento apresentado esta manhã não aborda a questão de maneira directa mas oblíqua, dando os critérios fundamentais para discernir as situações. Não pode haver um simples sim ou não, há situações muito diferentes”, disse, ao fazer à imprensa um ponto de situação sobre os trabalhos.
A declaração vai ao encontro de informações avançadas sobre a posição de abertura atribuída a destacadas figuras do sector conservador. É o caso do cardeal alemão Gerhard Ludwig Müller que, de acordo com a AFP, defendeu que alguns divorciados possam comungar. Por exemplo, os que “se tenham esforçado verdadeiramente por salvar um primeiro casamento e tenham sido injustamente abandonados”. Ou os que se voltaram a casar para bem dos filhos.
Independentemente da sua conotação mais conservadora ou progressista, os cardeais de língua alemã tiveram um papel que a AFP considera muito importante, ao fundamentarem teologicamente de modo sustentado posições consideradas mais audazes, designadamente na abertura aos divorciados recasados.
“Haverá desapontados”
Já sobre a homossexualidade não haverá surpresas. O Papa tem posto ênfase na necessidade de acolher todos, independentemente da orientação sexual. E não estava sequer previsto que esta questão fracturante ocupasse lugar central na reunião.
“É um documento de consenso. Não encontrarão muita coisa sobre homossexualidade. Haverá quem fique desapontado”, preveniu. Schönborn disse que o documento fala apenas da forma como famílias cristãs com membros homossexuais “devem lidar com essa situação”. É um assunto “muito delicado”, sublinhou.
A Reuters escreveu que alguns bispos levaram a questão ao sínodo, defendendo a adopção pela Igreja Católica de uma linguagem mais acolhedora e inclusiva. Mas que bispos africanos foram particularmente inflexíveis na sua oposição a uma abertura, por considerarem que seria um factor de confusão para os crentes. Já no sínodo de 2014, uma referência à homossexualidade num relatório preliminar considerada demasiado ousada pelos conservadores foi suprimida da versão final.
“Não significa que não é um assunto importante para a Igreja na Europa e na América do Norte, mas a nível universal é preciso respeitar as situações políticas e culturais”, declarou Schönborn.
Na manhã deste sábado, os 270 padres sinodais ouviram, na presença do Papa, o texto definitivo, já com emendas incluídas - foram incorporadas uma parte das mais de 1350 apresentadas durante os trabalhos. O Sínodo fez igualmente um apelo à paz e à solidariedade com as famílias do Médio Oriente, África e Ucrânia. “Basta de terrorismo, basta de destruição, basta de perseguições! Que cessem imediatamente as hostilidades e o tráfico de armas”, diz a sua declaração.
Uma vez votado, o relatório do Sínodo seria entregue ao Papa, a quem cabe, ou não, divulgá-lo. Mas as indicações recolhidas pelos jornalistas que estão a acompanhar o sínodo eram de que seria divulgado e que isso poderia acontecer ainda na noite deste sábado.
As conclusões do sínodo não são, em todo o caso vinculativas. Francisco deverá estudá-las e mais tarde, eventualmente no próximo ano, tirar conclusões e tomar decisões.
Tendo convocado dois sínodos sucessivos, o Papa foi claro quanto à necessidade que considera existir de uma adaptação da Igreja a realidades como as uniões de facto, a homossexualidade ou os divorciados recasados – ou à reflexão sobre o papel das mulheres na Igreja. Mas se, como fez na sexta-feira, Francisco apela aos cristãos para estarem preparados para escutarem “os sinais dos tempos”, quer preservar a unidade da Igreja.
Mesmo que o relatório não aponte para mudanças significativas nas orientações da Igreja, há quem, como Luc Van Looy, bispo de Gand, na Bélgica, encare muito positivamente as discussões. Os debates, disse na sexta-feira, marcam “o fim de uma Igreja que julga todas as situações” e abre caminho a “uma Igreja que acolhe, que escuta e que fala também com clareza”.