Papa defende acolhimento de gays, mas não o seu casamento
Possibilidade de divorciados recasados poderem comungar é uma das questões que mais dividem Igreja Católica e deve ser um dos principais assuntos do sínodo.
A possibilidade de os divorciados recasados poderem comungar e o acolhimento de homossexuais, questões que vêm de 2014, e dividem a Igreja Católica, deverão ser os principais assuntos do sínodo dos bispos — o segundo em dois anos — que se prolonga até dia 25 de Outubro.
Mas Francisco não quer que as discussões dos 360 bispos – escolhidos, segundo a AFP, com “sabedoria” e equilíbrio entre conservadores e reformistas para constituírem um fórum, onde também têm assento 18 casais leigos – fiquem presas a esses temas “fracturantes”, como deixou claro na viagem de regresso dos EUA, há uma semana. “Existem tantos outros problemas”, desabafou, dando o exemplo da necessidade de uma resposta aos “jovens que não se querem casar.”
Este domingo, sem nunca se referir concretamente às pessoas que vivem à margem das regras católicas – divorciados, homossexuais, pessoas que vivem em uniões de facto –, Francisco lembrou que a Igreja que lidera “não aponta o dedo para julgar os outros” e tem o dever de misericórdia, porque “uma Igreja com as portas fechadas atraiçoa-se a si mesma e à sua missão e, em vez de ser ponte, torna-se uma barreira”.
O líder católico – que, a partir das leituras bíblicas deste domingo, centrou a sua homilia em três tópicos: a solidão, o amor entre homem e mulher e a família – foi firme na defesa da indissolubilidade do casamento. “O que Deus uniu não o separe o homem”, disse, citando o evangelista Marcos. Para Francisco, o “vínculo conjugal” só pode ser a união entre pessoas de sexos diferentes. “Tal é o sonho de Deus para a sua dilecta criatura: vê-la realizar-se na união de amor entre o homem e a mulher.”
Ao falar sobre a solidão, Francisco disse que é um “drama” que o leva a pensar nos “idosos abandonados até pelos seus entes queridos e pelos próprios filhos; nos viúvos e nas viúvas; em tantos homens e mulheres, deixados pela esposa e pelo marido; em muitas pessoas que se sentem realmente sozinhas, não compreendidas nem escutadas, nos migrantes e nos que escapam de guerras e perseguições; e em tantos jovens vítimas da cultura do consumismo”.
Apesar da reafirmação da posição da Igreja de que o casamento deve ser entre pessoas de sexo diferente, a questão da homossexualidade não deve ocupar lugar central na reunião de bispos. O Papa argentino quer, isso sim, que seja posta a ênfase na necessidade de acolhimento de todos, independentemente da orientação sexual.
Ainda assim, o tema não deixa de estar em pano de fundo: no sábado, véspera do início do sínodo, um padre polaco que exercia funções na Congregação para a Doutrina da Fé desde 2003 e dava aulas de Teologia assumiu publicamente a sua homossexualidade e revelou ter um parceiro. Krzysztof Charamsa, de 43 anos, denunciou a “homofobia institucionalizada” na Igreja Católica. Na resposta, o Vaticano afastou-o das funções, dizendo que não o fazia devido às “reflexões sobre a sua vida pessoal”, que “merecem respeito”, mas pela forma como decidiu fazer essas revelações, numa entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera, seguida de conferência de imprensa com activistas gay num restaurante em Roma. O porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, disse que as suas declarações tiveram como objectivo “submeter a assembleia sinodal a uma pressão mediática injustificada”.
Nas discussões das próximas semanas que a assembleia de bispos agora inicia na sala maior da Basílica de S. Pedro desenha-se um novo confronto entre conservadores e reformistas, semelhante ao que aconteceu em 2014, sobre o acesso de recasados aos sacramentos e o acolhimento de homossexuais.
As primeiras vozes contra a possibilidade de comunhão dos recasados surgiram, como observa o diário espanhol El País, na própria Cúria romana, pela voz do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard l Müller, alemão nomeado pelo anterior Papa, Bento XVI. Entre os mais destacados apoiantes dessa posição estão o peruano Juan Luis Cipriani, cardeal de Lima, destacado membro do Opus Dei, e o espanhol Antonio María Rouco, cardeal de Madrid.
“Há mais oposição ao Papa do que se imagina. Sabe-se que mais de 50% da Cúria está contra ele. Duvidam do Papa. Questionam algumas das suas medidas”, disse o teólogo espanhol José María Castillo, citado pelo jornal.