Luis Miguel Cintra anunciou a despedida dos palcos no palco da sua vida: a Cornucópia
Aos 66 anos, actor põe um ponto final na carreira por questões de saúde. Como ele "não há outro", diz o também actor Nuno Lopes.
É um dos nomes maiores do teatro em Portugal, uma das grandes referências para várias gerações de actores. Luis Miguel Cintra, fundador do Teatro da Cornucópia, com Jorge Silva Melo, anunciou o fim da sua carreira naquele que tem sido o palco da sua vida. Foi no final de Hamlet, depois de um longo aplauso. Problemas de saúde impedem-no de continuar.
“Foi um momento superemocionante”, diz ao PÚBLICO o actor Nuno Lopes, que neste sábado assistiu ao último espectáculo de Hamlet no Teatro da Cornucópia, em Lisboa. Apesar de a peça, que tem a duração de quatro horas, regressar ao Teatro Municipal Joaquim Benite para o Festival de Almada de 23 de Outubro a 15 de Novembro, este sábado terá sido a última vez que Luis Miguel Cintra pisou o palco da Cornucópia. Pelo menos como actor.
Aos 66 anos, o actor e encenador decidiu assim pôr um ponto final na sua já longa carreira devido a problemas de saúde, como avançou o jornal online Observador neste domingo. Em Agosto, numa entrevista ao Diário de Notícias, Luis Miguel Cintra revelou sofrer de Parkinson, doença que afectou também o seu pai, o filólogo e linguista Luís Lindley Cintra.
“Obviamente eu compreendo as razões pelas quais ele deixa os palcos, acho que faz bem, é a atitude certa, mas ao mesmo tempo é muito triste para todos nós”, afirma Nuno Lopes, contando que Luis Miguel Cintra pediu para falar no fim do espectáculo, já depois dos aplausos, para então ler um texto de duas páginas. “É o meu actor favorito. É uma pena que os jovens actores não o possam ter como referência tal como eu o tive”, continua, com a certeza de que como Cintra “não há outro”. “É um actor único e, quando se perde algo único, é muito triste”, lamenta Lopes, que com ele contracenou – e por ele foi dirigido – na peça A Cidade, a partir de textos de Aristófanes.
Nuno Lopes destaca ainda a “inteligência" com que interpreta qualquer papel e, referindo-se à Cornucópia, que Luis Miguel Cintra ajudou a fundar em 1973 e que é hoje uma das companhias mais importantes do teatro português, diz: “Espero que consiga ultrapassar as dificuldades financeiras que enfrenta, para que nunca se perca a argúcia, a inteligência e a maneira como Luis Miguel Cintra olha para o mundo. Isto tem de continuar a acontecer.”
Em Setembro, antes da estreia da sua versão quase integral de Hamlet, texto de William Shakespeare numa tradução de Sophia de Mello Breyner, Cintra confessava ao PÚBLICO que “isto é, de certa forma, um adeus a espectáculos como este”. E "como este" referia-se a espectáculos de longa duração: “Não acuso o público nem ninguém de coisa nenhuma, mas a verdade é que se está a tornar muito difícil fazer espectáculos com uma duração que não seja aquela que está prevista no funcionamento da sociedade.”
Homem do teatro, Luis Miguel Cintra é também um nome grande do cinema nacional. Foi um dos mais antigos e fiéis colaboradores de Manoel de Oliveira, desde que entrou em Le Soulier de Satin, em 1985. No seu currículo soma ainda filmes de João César Monteiro, Paulo Rocha, João Botelho, Jorge Silva Melo, Christine Laurent, John Malkovitch ou Pedro Costa.
Em 1998 foi condecorado pelo Estado português com a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada e, em 2004, recebeu o Grande Oficial das Artes e Letras em França. Um ano depois, em 2005, tornou-se no primeiro nome das artes do espectáculo a receber o Prémio Pessoa.
Bem a propósito, Cintra vai ser homenageado no Lisbon & Estoril Film Festival, que decorre de 6 a 15 de Novembro, com um vasto ciclo onde se cruzarão filmes em que participou como actor com registos filmados do seu trabalho no teatro.
O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar Luis Miguel Cintra e o Teatro da Cornucópia.