As pessoas podem ser identificadas pelo seu padrão de actividade cerebral
Tal como se uma impressão digital se tratasse, o cérebro de cada um de nós possui um perfil de ligações neuronais único e pessoal, conclui um estudo.
O objectivo destes estudos tem sido comparar entre si grupos de pessoas – por exemplo, com ou sem uma dada doença neuropsiquiátrica –, de forma a determinar os padrões gerais de actividade cerebral que permitem distinguir um cérebro saudável de um cérebro que funciona anormalmente.
Mas agora, uma equipa de cientistas nos EUA decidiu comparar entre si os padrões de actividade neuronal de uma série de pessoas para ver se esses padrões não serão, para além de potenciais reveladores de doença quando considerados em conjunto, reveladores da própria identidade de cada pessoa quando considerada em separado. Os seus resultados foram publicados esta segunda-feira na revista Nature Neuroscience.
O cérebro humano contém à volta de cem mil milhões de células nervosas e um número ainda muito maior de ligações que permitem que as células comuniquem entre si. E um dos grandes desafios das neurociências actuais é mapear essa intricadíssima cablagem.
Esse é o objectivo do Projecto do Conectoma (HCP): construir um “mapa de estradas” cerebral combinando várias técnicas de visualização – não só a fMRI, mas também outras, ainda mais sofisticadas. Aliás, diversas imagens dos circuitos cerebrais assim revelados, belas e coloridas, têm surgido na imprensa nos últimos anos. Foi a um conjunto de dados coligidos pelo HCP que recorreram agora Emily Finn, da Universidade de Yale (EUA), e os seus colegas.
“Há muito tempo que os cientistas sabem que, mesmo entre as pessoas neurologicamente saudáveis, a estrutura e a função cerebrais apresentam um alto nível de variabilidade individual”, escrevem no seu artigo. “Uma questão em aberto”, salientam, “é a de saber se este carácter único é suficientemente observável por fMRI para permitir passar de estudos ao nível de uma população para estudos ao nível individual”.
No seu trabalho, estes cientistas utilizaram dados de fMRI vindos de 126 participantes no HCP. Para cada uma dessas pessoas, dispunham de seis imagens cerebrais registadas ao longo de dois dias em diversas situações. Três registos foram realizados no primeiro dia: um do cérebro em repouso, um durante uma tarefa que envolvia a memória e um durante uma tarefa motora. Outros três registos foram feitos no segundo dia: mais um registo em repouso, um durante uma tarefa linguística e um durante uma tarefa que tinha a ver com emoções.
Com esses dados, fizeram o seguinte: primeiro, para cada uma das situações acima referidas, consideraram a actividade cerebral registada por fMRI de cada pessoa em 268 locais distribuídos por todo o cérebro. Obtiveram assim, para cada pessoa, seis padrões de actividade cerebral: dois padrões correspondentes ao cérebro em repouso (um por dia) e quatro padrões associados às quatro tarefas já referidas.
Basicamente, esses padrões de actividade cerebral foram construídos com base nas correlações, registadas para cada pessoa e cada tipo de tarefa, entre as activações de todos os pares possíveis dos 268 locais cerebrais escolhidos. O que, tirando as repetições, permitiu obter seis “perfis de conectividade” para cada pessoa, cada um constituído por 35.778 valores de correlação.
Na fase seguinte, os cientistas compararam, um a um, os 126 padrões individuais do cérebro em repouso, registado num dos dias, com o conjunto dos 126 padrões do cérebro em repouso obtidos no outro dia, para determinar qual dos padrões desse conjunto era o mais semelhante ao padrão individual considerado. E uma vez concluídas as comparações, foram ver se tinham ou não acertado na identidade do "dono" do padrão em causa.
Resultado: a taxa de sucesso na identificação das pessoas foi superior a 92,9%. Já quando fizeram o mesmo tipo de comparação entre todos os pares possíveis de tarefas (incluindo o repouso), a taxa de sucesso diminui, situando-se entre 54% e 87,3% conforme o par de tarefas considerado. Mas mesmo assim, explicam os autores, foi significativa. “Isso indica que o perfil global de conectividade é intrínseco de cada indivíduo”, resume a Nature Neuroscience em comunicado.
A equipa quis ainda saber se a actividade de certas redes neuronais específicas permitia distinguir ainda melhor as pessoas entre si. E de facto, quando limitaram a comparação dos perfis de actividade do cérebro em repouso apenas a redes neuronais que incluíam os córtex frontal, parietal e temporal – regiões essenciais às capacidades cognitivas –, a taxa de sucesso na identificação das pessoas subiu para cima dos 98%.
Os cientistas conseguiram ainda prever um certo tipo de capacidade cognitiva apenas com base nos perfis de conectividade. Para isso, utilizaram um outro tipo de dados, também coligidos pelo HCP. Os dados diziam respeito ao desempenho das mesmas 126 pessoas em tarefas que requerem rapidez de raciocínio para a resolução de problemas – uma capacidade que os especialistas designam de “inteligência fluida”.
“Estes resultados reforçam a relevância funcional das nossas análises de identificação, na medida em que as redes [neuronais] que mais diferenciam as pessoas também são as mais relevantes em termos de diferenças individuais de comportamento”, escrevem ainda no artigo.
Em comunicado da Universidade de Yale, Emily Finn diz que espera que este tipo de resultados possa um dia ajudar os médicos a prever ou mesmo tratar doenças neuropsiquiátricas com base em perfis individuais de conectividade cerebral.