Governador da Califórnia aprova a morte assistida
O governador não quer negar aos outros uma possibilidade de escolha de que ele próprio gostaria de desfrutar.
Foi o culminar de um processo que não teria obtido este desfecho sem a história comovente da jovem mulher de 29 anos, Brittany Maynard (1984/1 Novembro 2014), que, juntamente com o marido e a família mais próxima, foi residir os últimos meses da sua vida no estado logo ao norte do seu, o Oregon, estado que foi o primeiro (1997) a regulamentar a morte assistida auto-administrada. Brittany, com cancro cerebral terminal, já sofria muito com a sua condição. Perguntava: “Quem tem o direito de dizer-me que eu não mereço esta escolha? Que eu mereço sofrer durante semanas ou meses com tremendas dores físicas e emocionais? Porque é que alguém havia de ter o direito de fazer essa escolha por mim?”.
Apoiada pela família, associou-se ao conhecido e reconhecido movimento americano Compassion & Choices, que milita activamente pela morte assistida auto-administrada. Pela sua intervenção activa e comovente (basta fazer uma breve pesquisa na net para o verificar) e com a ajuda de Compassion & Choices, a mensagem de Brittany chegou a milhões de pessoas. A sua empatia, a sua beleza já estragada pelos tratamentos, a sua sinceridade e a sua juventude não podiam deixar de emocionar todos. Depois da morte, a família continuou a sua luta, como ela lhes pedira. De tal modo que, em 2015, 24 jurisdições americanas apresentaram propostas deste tipo de morte assistida, mais o estado de Colúmbia. Na Califórnia, o equivalente à nossa Ordem dos Médicos passou a ter uma posição neutra (primeira associação médica americana a mudar de posição).
O Vaticano, esse, condenou o seu gesto – condenação enfaticamente rejeitada pela mãe -, mas muitos não se deixaram intimidar. Como escrevia um jornalista americano em 29/09, se o Papa diz que o direito à liberdade religiosa é um dos legados mais preciosos dos americanos, então isso quer dizer que deve haver “liberdade para acreditar no nosso deus – ou em nenhum”. Logo, regulamentar a morte assistida faz parte do respeito pela liberdade religiosa.
Depois de aprovado o projecto de lei, faltava a aprovação final do governador, Jerry Brown, um democrata de 77 anos, com vasta carreira política. Na juventude andara num seminário dos Jesuítas - temeu-se a pressão da hierarquia católica. Mas numa notável declaração que o próprio New York Times designou de pouco usual, Brown deu conta de como chegara ao seu voto positivo. O que faria, escrevia, perante um texto que fugia às regras comuns por lidar com a vida e a morte? Devia a Califórnia continuar a criminalizar uma morte assistida, por maior que fosse o sofrimento da pessoa? Assumiu ter lido cuidadosamente as duas argumentações em causa. Na favorável, destacou os pedidos da família de Brittany e do Arcebispo Desmund Tutu. Para além deles, diz ter “debatido o assunto com um bispo católico, com dois dos seus próprios médicos, antigos colegas, e com amigos” de opiniões diferenciadas. Em seguida, de uma forma que me parece muito honesta, afirma ter reflectido sobre a sua própria morte e o que desejaria então. Responde: “Não sei o que faria se estivesse a morrer com dores prolongadas e dolorosas. Tenho a certeza, no entanto, que seria para mim um alívio poder considerar as opções abertas por este projecto. E não negarei esse direito a outros”.
Nesse mesmo dia da aprovação pelo governador, 5 de Outubro, a Compassion & Choices colocou no Youtube um excelente vídeo em torno da luta que Brittany empreendera – Brittany Maynard’s Legacy: One Year Later.
No Porto, em 14 de Novembro, haverá a primeira reunião do Movimento Cívico para a Despenalização e Regulamentação da Morte Assistida. Para que a possibilidade de escolha no morrer que quero para mim possa um dia vir a ser um direito de todos.
Professora Aposentada da UMinho (laura.laura@mail.telepac.pt)