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Quase 30% dos rins doados post mortem não se conseguem aproveitar

Envelhecimento da população dificulta que se aproveitem os órgãos. Solução passa por aumentar as doações em vida, sobretudo no caso do rim.

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No final de 2014 existiam 2216 portugueses à espera de um órgão. Carlos Lopes

“A melhoria é muito mais acentuada no número de dadores do que no número de transplantes. Temos uma população muito envelhecida e há um esforço muito grande para a colheita, mas depois deparamo-nos com muitos órgãos que não conseguimos utilizar”, explicou nesta sexta-feira o presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação. Fernando Macário falava durante uma conferência de imprensa de antecipação do 17.º Dia Europeu da Doação e Transplantação de Órgãos, que se assinala no sábado em Portugal com uma conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e com várias iniciativas de sensibilização nas ruas. O dia é promovido anualmente pelo Conselho da Europa.

De acordo com os dados apresentados na mesma sessão pela Coordenadora Nacional da Transplantação, Ana França, até Agosto registou-se também um aumento do número de dadores mortos, que ficou em valores superiores ao que aconteceu nos últimos cinco anos. Apesar disso, as causas da morte são agora diferentes. “As mortes são muito mais médicas do que traumáticas”, adiantou a especialista, em referência ao facto de existirem menos vítimas na estrada. As chamadas mortes traumáticas já só representam 22% do total. Quanto ao tipo de transplantes, os hepáticos e cardíacos foram os que mais subiram comparativamente com o que aconteceu entre 2011 e 2014.

Ana França congratulou-se com os resultados deste ano, adiantando que Portugal atingiu um valor de 20,9 dadores por cada milhão de habitantes e que, a manter-se o mesmo comportamento até Dezembro, poderá chegar aos 31,4 dadores por cada milhão de habitantes. A proporção é “bastante positiva” dentro da União Europeia, numa área em que Espanha lidera com os melhores resultados. Contudo, a coordenadora mostrou-se também preocupada com a qualidade dos órgãos, defendendo que só com o aumento da doação em vida, que permite a selecção das pessoas, é que será possível contornar o problema do envelhecimento e das doenças crónicas como a diabetes ou hipertensão.

“Os objectivos são sobretudo melhorar as oportunidades de transplante e diminuir as listas de espera”, explicitou Ana França. No final de 2014 existiam 2216 portugueses à espera de um órgão, sendo em 1970 dos casos doentes que precisavam de um rim e os restantes de um fígado, pulmão, pâncreas ou coração. Em 81 casos os doentes morreram sem ter encontrado um órgão compatível. No caso do rim a situação representou mais de 50% deste total (43 mortes). “Temos a maior lista de espera em relação ao rim e a doação em vida do rim é muito importante”, alertou Ana França.

Uma posição que foi corroborada por Fernando Macário, que lembrou que “temos a maior taxa de incidência de insuficiência renal crónica e de doentes a iniciar diálise em toda a Europa. Há uma verdadeira epidemia de doença renal”. Estima-se que em Portugal pelo menos 12 mil doentes façam diálise. Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação é, por isso, determinante impulsionar o número de dadores vivos. Nos primeiros meses do ano houve 37 dadores vivos de rim e nove de fígado. O especialista acredita que algumas medidas de protecção do dador, como a criação de um seguro de saúde, ajudam a sensibilizar mais pessoas.

O médico nefrologista defende também que é fundamental promover “informação adequada” sobre o tema da doação em vida, até porque “a transplantação renal é a melhor opção terapêutica para o insuficiente renal, principalmente se for feita o mais cedo possível”. Macário entende que é também preciso agilizar o processo de estudo dos dadores dentro dos hospitais e criar condições laborais para que as pessoas faltem e para que não percam uma parte do vencimento. Estima-se que cada órgão doado possa salvar até oito vidas, um valor que sobe para 100 vidas no caso da doação de tecidos.

Outra linha de trabalho, completou Ana França, está nos chamados transplantes cruzados. Desde 2012 foram feitos sete, sendo que cinco deles aconteceram em 2015. São situações em que, por exemplo, um português está disponível para doar um rim a um familiar, mas não é compatível. Em Espanha existe alguém na mesma situação. Se o português for compatível com o espanhol (e vice-versa) cruzam-se os órgãos e todo o processo tem de decorrer conjugado na mesma altura.

Está também legislada, desde há dois anos, a possibilidade de recolher órgãos de alguém em paragem cardio-circulatória – mas esse tipo de recolha exige a tentativa de recuperação posterior dos órgãos, pelo que só representam 10% do total. A morte cerebral continua a ser o caso mais comum, confirma Ana França. Outra das possibilidades, com “mais problemas éticos”, é avançar para a recolha de órgãos em doentes em fim de vida que optem por suspender os tratamentos por não conseguirem recuperar, mas que queiram doar os órgãos viáveis.

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