A luz não faz bem a Lana del Rey
É uma pena que Lana del Rey não tenha escolhido manter-se entre as sombras. A luz não lhe faz bem.
Honeymoon é já o quarto álbum de Lana Del Rey e sucede ao óptimo Ultraviolence, produzido por Dan Auerbach, dos Black Keys (e o travo clássico da produção não enganava). Por esta altura, as discussões de há milénios sobre a sua autenticidade, o que quer que autenticidade signifique no universo da pop, já são conversa requentada sem interesse algum. Lana Del Rey é a cantora atormentada, assombrada por amores excessivos e abusivos, mulher fantasmagórica e construção, criada sobre a mitologia da música popular urbana, que se tornou incrivelmente convincente: nestas canções, acreditamos nela e é aí, não na biografia privada, que temos que acreditar (tudo o resto é matéria para cliques em rede social e especulação tablóide). Honeymoon, então.
Nele coexistem, na verdade, dois álbuns. Um deles é música de espectros arrancada a standards jazz de orquestrações opulentas, ritmo em câmara lenta e uma voz que se ergue sobre a instrumentação como se esta não estivesse lá – a voz, ora gélida, ora vaporosa, sobrevoa o som como se este tivesse chegado depois para cobrir aquilo que as palavras, e o tom com que são ditas, já sugeria. Esse, o disco de Honeymoon, de Music to watch boys to (com referências a Space oddity, de David Bowie, e neblina trip hop), ou de God knows I tried, com sintetizadores ambientais dobrados pela secção de cordas e a guitarra reverberante que parece fundação de toda a música, é um álbum a que não conseguimos escapar: Lana Del Rey afogando-se nos abismos sentimentais que são, desde o início, o seu rastilho criativo, Lana Del Rey como protagonista de canções de uma opulência à velha Capitol, a de Sinatra, e de uma intemporalidade irrepreensível, envoltas em neblina digital moderna.
O outro álbum, que se anuncia quando avançamos pelas 14 canções de Honeymoon, não consegue manter o feitiço. Se High by the beach, introduz, e bem, mecânicas hip hop nestes movimentos lânguidos, dopados, que são os de Lana Del Rey (“we won’t survive, we’re sinking”, canta com aquele dramatismo blasé que já é imagem de marca), se é difícil resistir à produção saturada e ao ambiente cinematográfico de Art deco, o mesmo não se pode dizer de Freak (“Come to California/ be a freak like me too”) ou Salvatore, em que o negrume se torna afectação e, principalmente, em que as sombras se desvanecem para ceder a uma ideia de canção vagamente alinhada com o estrépito pop da década de 1980.
Quando chegamos à despedida, que se anuncia com uma versão descarnada de Don’t let me misunderstood, de Nina Simone, órgão vintage a fervilhar e guitarra iluminando a interpretação sabiamente contida, temos por certo que vale a pena continuar a acompanhar com o atenção o intrigante caso de Lana Del Rey. Temos por certo, igualmente, que Honeymoon podia ser um grande álbum. É uma pena que Lana del Rey não tenha escolhido manter-se entre as sombras. A luz não lhe faz bem.