Abstenção elevada nas eleições gregas de todo o desapontamento

“Cortaram-nos as pensões, cortaram-nos os subsídios, cortaram tudo. E agora têm a lata de pedir o nosso voto?", diz um cartaz numa farmácia de Atenas.

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Muitos gregos questionam para que serve o voto ANGELOS TZORTZINIS/AFP

Pela primeira vez na vida, Nikolas Zirganos não vai votar. Para quê fazê-lo se as coisas mais importantes já estão decididas?, pergunta o jornalista do diário Efimerida Ton Syndakton. Zirganos estará longe de ser o único, numas eleições onde pelos primeiros sinais, parece que haverá uma abstenção significativa, com estações de voto bastante vazias (será do calor?) e relatos de que não se compara a votações anteriores. A emissora de televisão pública ERT relatava que nas primeiras horas uma estação dos subúrbios de Atenas tinha tido apenas 25 votos.

“A sua abstenção é um sinal para dizer que têm mudar de rumo”, diz Zirganos. Um sinal para a Europa e para o Syriza, mas ele fala mais da Europa. “A principal lição das últimas eleições é que é indiferente o que as pessoas escolhem”, argumenta. “Quem decide, especialmente no caso dos países da zona euro, são pessoas que não respondem perante ninguém”, sublinha. “Por isso, para quê votar em eleições nacionais?”

Mas há ainda outra questão, que é o desapontamento com o que fez o Governo liderado por Alexis Tsipras desde Janeiro. Dá um exemplo: “Posso dizer, em relação aos refugiados, que o governo interino [em funções desde a demissão de Tsipras] fez mais num mês do que o anterior em sete”, nota, fumando um cigarro entre golos de um café frio numa esplanada.  “É certo que acabaram os centros fechados [de onde os refugiados não podiam sair], o que foi bom, mas não fizeram nada por estas pessoas.” O governo alternativo já pôs a funcionar um centro e anunciou outros três para breve.

Zirganos, que se descreve como um cidadão europeu, não quereria votar em partidos que defendam a saída do euro. “Não faz sentido votar desta vez”, repete. “Não é um caminho que queria seguir na minha vida. É um pequeno protesto”, sublinha. O que gostaria de ver na Grécia que não acontece? “Uma discussão sobre o que queremos para o dia a seguir a tudo isto. O que vamos fazer nos próximos anos, que tipo de país queremos?”

"Estamos anestesiados"
A estação de voto de Petralona, um bairro de classe média de Atenas, não tem quase ninguém. Poderá ser da hora do calor, mas a sensação é de desalento. Numa farmácia perto, a farmacêutica colou uma fotografia de uma idosa mostrando o dedo do meio com uma mensagem aos políticos. Ela traduz o que lá está escrito: “Cortaram-nos as pensões, cortaram-nos os subsídios, cortaram tudo. E agora têm a lata de pedir o nosso voto? Não nos esquecemos, nem com Alzheimer!”

Electra, uma socióloga de 32 anos que no referendo estava disposta a mergulhar até ao desconhecido, diz que ela e a maior parte das pessoas que votou “não” no referendo se sentem traídas, falando do “fim da ilusão” de que algo poderia mudar.

“Agora sentimos que é preciso criar um novo caminho”, diz, um caminho que terá de vir sobretudo de cada um. “Não vejo acontecer grande coisa do lado dos políticos”, declara. “E com a vitória do Syriza houve uma certa diminuição do envolvimento nos movimentos sociais de pessoas que passaram a ter mais actividade política”, conta. “Agora vemos o contrário. A falta de fé nos políticos está a fazer reviver os movimentos sociais e as pessoas estão a voltar a juntar-se em torno de movimentos – isso está a ver-se muito com a ajuda aos refugiados”, defende. Há armazéns de Atenas cheios de roupa, ainda recentemente um camionista que ia para Lesbos levou uma carga de doações, depois de dezenas de voluntários ajudarem a separar a roupa e sapatos conforme tipo e tamanho.

Na manhã da eleição, Electra ainda não decidiu se vai votar. “Estamos um pouco anestesiados”, relata. “É como se tivéssemos tomado demasiado MDMA [ecstay] e agora estejamos a tranquilizantes.”

O sociólogo Konstantinos Tsoukalas, antigo deputado do Syriza, comentou ao diário britânico The Guardian que nestas eleições, se o partido de esquerda não vencer não será por mérito do adversário conservador mas porque “naquela que já foi uma das sociedades mais politizadas da Europa, cada vez mais jovens se estão a questionar para que serve o seu voto”.

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