Um Hamlet para dizer adeus a espectáculos como este

O Hamlet traduzido por Sophia de Mello Breyner chega esta sexta-feira ao Teatro da Cornucópia, em Lisboa. Uma encenação de Luis Miguel Cintra em luta contra a corrente de formatação dos espectáculos.

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Hamlet estará em cena no lisboeta Teatro da Cornucópia entre 18 de Setembro e 17 de Outubro dr
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A história do príncipe Hamlet, de uma vingança encomendada pelo fantasma do pai contra o seu assassino dr
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A sua versão quase integral de Hamlet, texto de William Shakespeare aqui numa tradução de Sophia de Mello Breyner, é, portanto, uma versão imprevista. Enquanto mundo fora aquela que é provavelmente a mais reconhecível peça de todo o reportório teatral – basta a imagem de um homem segurando uma caveira ou a fala “ser ou não ser eis a questão” para confirmar a sua infiltração no imaginário popular – é tendencialmente encurtada, sacrificando o enredo para ser mais facilmente digerida por um público cada vez mais formatado pela vertigem da linguagem televisiva, Luis Miguel Cintra recusa esse facilitismo e essa traição à obra.

“Não acuso o público nem ninguém de coisa nenhuma”, ressalva, “mas a verdade é que se está a tornar muito difícil fazer espectáculos com uma duração que não seja aquela que está prevista no funcionamento da sociedade.” Hamlet, este Hamlet, em cena no lisboeta Teatro da Cornucópia entre 18 de Setembro e 17 de Outubro (regressa depois ao Teatro Municipal Joaquim Benite, onde fez a sua breve estreia no Festival de Almada, de 23 de Outubro a 15 de Novembro), tem quatro horas de duração. Rendido à tradução de Sophia de Mello Breyner, Cintra sabe, no entanto, que esta recusa em acatar a vigente formatação do teatro nada tem de fácil. E desabafa mesmo que “isto é, de certa forma, um adeus a espectáculos como estes”.

Ir mais longe

Ao fim de aproximadamente uma centena de encenações, Luis Miguel Cintra argumenta não ter qualquer interesse em pôr em cena uma peça que seja de fácil deglutição e de pouco desafio para si e para os actores que o acompanham. É uma questão de “ir mais longe”, de sentir que o produto do seu trabalho é tentar dar um passo em frente, ao mesmo tempo que se verga perante um texto que “seria um desperdício se ninguém o fizesse, porque é admirável”.

O gosto em assumir um gesto subversivo e contra-corrente está, desde logo, na escolha do seu protagonista: Guilherme Gomes tem 22 anos, está a iniciar a sua carreira e longe, portanto, da ideia de que Hamlet é um papel de consagração, possível corolário de um sólido percurso nos palcos. A justificação surge novamente com uma alusão ao universo televisivo: “Enquanto a maior parte das companhias procura ter um nome que tenha a ver com televisão enquanto chamariz, acho justamente que a televisão é perigosíssima para os actores e que os vicia num determinado tipo de jogo. Prefiro um actor assim, como o Guilherme, que pode ter falta de experiência, menos domínio dos tempos, mas que tenha um contacto sincero e genuíno com o texto que tem na mão.” Gaba, por isso, “a sensibilidade especial” de um jovem actor que gosta sobretudo de poesia e que, acredita o encenador, atravessa a vida com uma elegância essencial “para se acreditar que é um príncipe”.

A história do príncipe Hamlet, de uma vingança encomendada pelo fantasma do pai contra o seu assassino – o seu próprio irmão Cláudio, que depois “com a sua vergonhosa lascívia” conquista a viúva rainha Gertrudes, com nítida ressonância da tragédia grega de Agamémnon e Clitemnestra –, é também a de “uma geração educada com os preceitos morais dos pais em que os próprios pais já não acreditam”, defende Cintra. Mas aquilo que o comove no texto é a forma como o contacto de Hamlet com a morte o “liberta da possibilidade de ser rei, adquirindo uma lucidez completamente diferente”. “Como se deixasse de ser filho e passasse a ser adulto”, conclui. Como se, depois de o irmão, também o filho matasse o rei. Mas não para ascender ao trono, antes para reclamar o seu caminho.

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