Embargo da Rússia e preço do leite arrastam agricultura europeia para a crise
Milhares de agricultores protestam esta segunda-feira em Bruxelas às portas do conselho extraordinário de ministros do sector.
No caso do embargo russo, os impactos directos na produção portuguesa estão longe de causar as perdas registadas por países como a Polónia ou a França, mas as quebras dos preços em sectores sensíveis como o do leite, da carne bovina e suína ou da fruta, estão a deteriorar as margens de rentabilidade dos produtores e a afectar a recuperação que a agricultura portuguesa estava a registar nos últimos anos.
“Os agricultores estão a pagar o preço das políticas da UE em relação à Rússia”, lê-se num documento do Copa e da Cogeca, que reúnem as principais associações de agricultores e cooperativas agrícolas da União. Para superar as dificuldades actuais, os agricultores mobilizaram-se para a manifestação de hoje com o objectivo de pressionar o Conselho Agrícola e a Comissão Europeia a avançar com novas medidas de intervenção nos mercados (que passam, por exemplo, pela compra de excedentes para fazer subir os preços), a antecipação e flexibilização dos pagamentos das ajudas directas pagas pela PAC (Política Agrícola Comum) e o aumento de incentivos para acções de promoção externa. Os ministros de Portugal, da Espanha, França e Itália vão pedir à Comissão o aumento do preço de referência do leite para efeitos de retirada de excedentes no mercado. A Comissão Europeia parece estar disposta a reforçar os meios financeiros para acudir a uma situação de excepção que ameaça sublevar a agricultura.
Os sectores mais afectados na actual conjuntura são o do leite, da carne bovina, da carne suína e da fruta e se em todos há um efeito directo do embargo russo, há problemas que são específicos do leite. Actualmente, “os produtores estão a vender leite por 20 ou 21 cêntimos o litro, quando os custos de produção se situam nos 30/32 cêntimos”, diz João Machado, presidente da CAP, o que se explica com a perda do mercado russo, para onde os agricultores europeus exportavam 13% da sua produção, mas depende também da redução do consumo mundial. Até Abril deste ano, o sistema de quotas de produção ajudava de alguma forma a estabilizar o mercado, mas a sua extinção e a criação de um regime livre faz com que os produtores tentassem compensar as quebras de preços com o aumento da produção. Criou-se assim uma espiral de excedentes que ajuda a depreciar ainda mais os preços e ameaça varrer do mapa agrícola milhares de produtores.
Nas outras produções, a causa principal do mal-estar está associada ao bloqueio do mercado russo que, nas contas do Copa e da Cogeca, gera perdas na economia agrária na ordem dos 5,5 mil milhões de euros anuais. A Rússia é, recorde-se, o principal mercado de exportação da agricultura europeia.
O caso da carne bovina é um bom exemplo das dificuldades. Das 7,7 milhões de toneladas produzidas por ano na União Europeia (é o terceiro maior produtor mundial, depois dos Estados Unidos e do Brasil), 233 mil toneladas são exportadas. E a Rússia era o mercado de destino de 29% dessa fatia. No caso da carne de porco, 10% da produção anual de 22,3 milhões de toneladas eram exportadas e, neste caso particular, para lá do embargo russo, que consumia anualmente 800 mil toneladas, a agricultura da União perdeu o acesso ao mercado bielorrusso (86 mil toneladas) e ucraniano (55 mil toneladas). Como consequência, o preço caiu entre 15 e 25 cêntimos em relação à média dos últimos cinco anos, estimam as organizações de agricultores.
Idêntica situação se verifica no sector dos hortofrutícolas. A Rússia era o destino de um terço das exportações europeias de fruta, que rendiam anualmente 1,2 mil milhões de euros, e de 26% dos hortícolas. Era nestes sectores que a produção portuguesa estava a conquistar quotas de mercado a um ritmo de dois dígitos nos últimos anos, com destaque para a pêra rocha. A barreira do embargo é mais preocupante por “destruir o trabalho de promoção dos últimos anos” do que pelas perdas imediatas nos rendimentos dos produtores, diz João Machado.
Em termos globais, “o embargo não é dramático para a agricultura portuguesa”, nota João Machado – embora os seus custos indirectos na formação dos preços sejam “muito preocupantes”. Em relação ao ano passado, as exportações agro-alimentares portuguesas para a Rússia nos primeiros quatro meses deste ano baixaram em relação ao período homólogo de 2014 de 13,6 milhões de euros para 7,6 milhões - o vinho e o azeite, os mais importantes da exportação nacional, ficaram de fora do embargo.
Ainda assim, “há um grande mal-estar na agricultura europeia que se reflecte em Portugal também”, acrescenta João Machado. É por isso que uma delegação de agricultores portugueses estará hoje em Bruxelas numa manifestação que a Comissão Europeia tentará esvaziar com o anúncio de novas medidas de apoio à produção. com Ana Rute Silva