Sócrates preso em casa e com polícia à porta
MP considera que diminuiu o perigo de perturbação do inquérito, mas invocava o perigo de fuga. José Sócrates saiu da cadeia de Évora esta sexta-feira e ficará a viver numa casa da ex-mulher em Lisboa.
No comunicado, assinado pela presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Amélia Almeida, fica ainda claro que Rosário Teixeira não apresentou “factos novos”, face à reapreciação [da medida de coacção a que estava sujeito Sócrates] efectuada em 9 de Junho de 2015, pelo que foi julgado desnecessário ouvir o arguido”. A Procuradoria-Geral da República salientou, porém, numa nota à comunicação social que “neste período foram ouvidas cerca de dez pessoas e realizadas mais de 30 diligências de buscas”. Aliás, acrescentou ainda que “o Ministério Público promoveu a alteração da medida de coacção por considerar que, face à prova reunida desde a última reapreciação, se mostra reforçada a consolidação dos indícios”.
Facto é que a magistrada da comarca de Lisboa sublinha ainda que Carlos Alexandre, enquanto juiz, não poderia legalmente decidir manter Sócrates na cadeia, ou seja, aplicar uma medida mais gravosa do que a aquela promovida pelo Ministério Público a não ser que considerasse estar em causa o perigo de fuga ou a continuação da actividade criminosa, o que não estava em causa.
O ex-governante, que estava preso há mais de nove meses, saiu da cadeia de Évora quando faltavam cerca de 20 minutos para as 20h, numa carrinha dos serviços prisionais a caminho da capital e chegou pelas 20h57 a Lisboa. Ficará numa casa da sua ex-mulher Sofia Fava, na Rua Abade Faria, próximo da Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, onde ontem à noite já estavam dois agentes da PSP. O advogado João Araújo, que chegara poucos minutos antes, já o aguardava e cumprimentou-o. Entraram depois, ambos sorridentes, para o prédio do número 33, um edifício onde à porta a rua está a ser alvo de obras.
Um dos advogados de Sócrates, Pedro de Delille, reagiu de forma sucinta à decisão do juiz Carlos Alexandre. “Foi um primeiro passo do juiz na direcção certa”, afirmou Delille ao PÚBLICO. O defensor do ex-primeiro-ministro remeteu alguns esclarecimentos para este sábado “depois de ler a decisão de cento e tal páginas notificada via fax” e explicou que esta noite vai jantar com o cliente, na casa deste.
Já o advogado João Araújo adiantou, por seu lado, que pretende recorrer desta decisão que considera excessiva. “Isto é apenas para enganar”, lançou o representante do ex-primeiro-ministro, dizendo que Sócrates está “óptimo” e remetendo para este sábado mais esclarecimentos.
O Ministério Público já tinha proposto em Junho o regresso de Sócrates a casa, mas nessa altura defendia que a prisão domiciliária deveria ser vigiada através de uma pulseira electrónica, o que Sócrates não aceitou. A lei determina que a aplicação da vigilância electrónica “depende do consentimento do arguido” que é “prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto”.
Perante essa recusa, Carlos Alexandre manteve o ex-governante na cadeia. Três meses depois, frequência de tempo em que as medidas de coacção são obrigatoriamente reavaliadas, o procurador já “não promoveu a fiscalização da medida por meios electrónicos”, adiantou a comarca de Lisboa. Sócrates será por isso vigiado por agentes da PSP tendo a esquadra local já sido informada pelo Tribunal Central de Instrução Criminal.
“O Tribunal Central de Instrução Criminal comunicou a imposição da medida e a modalidade da sua execução às autoridades policiais competentes e solicitou a vigilância do seu cumprimento”, adianta no comunicado a presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Amélia Almeida.
Sócrates fica ainda proibido de contactar de forma directa ou indirecta com diversas entidades e pessoas, nomeadamente arguidos constituídos no âmbito deste processo.
Sócrates estava preso preventivamente há mais de nove meses. Entrou na cadeia de Évora a 25 de Novembro de 2014, depois de vários interrogatórios que se seguiram à sua detenção no Aeroporto de Lisboa, vindo de Paris, no âmbito da Operação Marquês. O ex-governante, indiciado por crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção, era até a tarde desta sexta-feira o único arguido no processo que continuava na cadeia.
Os restantes oito arguidos no processo estavam já com medidas de coacção mais leves do que a aplicada então a Sócrates. O ex-motorista de Sócrates João Perna, que esteve inicialmente na cadeia, foi libertado em Fevereiro, após o juiz ter considerado que já não estava em causa os perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa. O empresário e amigo de Sócrates, Carlos Santos Silva, saiu da cadeia e ficou em prisão domiciliária em Maio.
Igualmente o administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca Rodrigues, suspeito de ser um dos principais corruptores do ex-primeiro-ministro José Sócrates, deixou também em Maio o Hospital-Prisão de Caxias e regressou a casa, onde aguardará o desenvolvimento do processo em prisão domiciliária.
Entre os restantes arguidos estão o advogado Gonçalo Ferreira, o administrador da Octapharma Paulo Lalanda Castro e a mulher de Carlos Santos Silva, Inês Pontes do Rosário. O presidente da empresa que gere o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, Diogo Gaspar Ferreira também é arguido no processo.
O ex-ministro socialista, Armando Vara, foi o último detido no âmbito deste caso. Está indicado por corrupção passiva, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
A alegada intervenção do ex-ministro socialista surge em 2006 no âmbito da sua então condição de administrador da Caixa Geral de Depósitos que terá pressionado para financiar um negócio de 200 milhões necessário à troca de propriedade daquele empreendimento. O banco, que comprou 24% do empreendimento, enfrentou na verdade um negócio ruinoso com perdas de 100 milhões de euros.